Precisamos falar sobre o Dugin
author:: chicoary
source:: Precisamos falar sobre o Dugin
clipped:: 2023-09-23
published:: agosto 2, 2020
Ontem aconteceu a palestra do Dugin mas não achei ainda o vídeo que deve ter sido gravado durante a conferência.
A primeira vez que escrevi sobre Dugin foi na caixa de comentários do blog do Duplo Expresso estimulado por citações de seu pensamento. Reproduzo abaixo o que escrevi na época.
Tenho visto aqui no DE várias menções ao Diego Fusaro. O que me levou ao site https://www.diegofusaro.com…. Lá encontrei: “Assim, mais uma vez, a exigência de propor caminhos de emancipação reais – com Marx e Gramsci – para produzir a saída da caverna da mundialização capitalista e a libertação do gênero humano das patologias do classismo, da reificação e da violência ontológica aos danos dos seres vivos e do planeta. No tempo da extinção da dicotomia topológica de esquerda e direita, temos de recategorizar o real e pensar diferente, reverticalizar o conflito (Servo X Senhor), repolitizar a economia, estabelecer ética na sociedade, desglobalizar o real e o imaginário, rejeitar a nova ordem mundial classista americanocêntrica, em um novo multipolarismo de Estados soberanos comunitários e democráticos, solidários e centrados sobre o reconhecimento da pluralidade dos costumes e dos povos, das línguas e das culturas (contra o modelo único da mundialização) [Grifos nossos].” O que me fez lembrar do artigo Três motivos para não dizer “nem esquerda, nem direita”.
E pesquisando mais textos sobre o assunto acabei encontrando por acaso O fascismo ocultista de Dugin e o sequestro do anti-imperialismo da Esquerda e do anti-salafismo muçulmano. – El Coyote, que comenta sobre Dugin, incensado no site da Nova Resistência. No artigo se fala de uma Internacional Fascista e, estranhamente, o DCM cita Dugin em Aleksandr Dugin: ‘É necessário criar uma frente anti-Bolsonaro’, talvez por causa da frase do título.
Um trecho memorável no artigo do DCM é:
Nela, ele aponta para a necessidade de uma união entre esquerda e direita autênticas, ou ainda, para a necessidade de uma frente populista unificada, transcendendo os conceitos de direita e esquerda [grifos nossos], idealmente construída, de acordo com ele, sobre o projeto de uma Quarta Teoria Política. Mas isso, porém, ainda não é possível. A eleição de Bolsonaro (“o pior da direita”) só foi possível como reação contra o “pior da esquerda” , e essa oposição expressa um elevado grau de adoecimento da sociedade brasileira.
Resolvi apor este comentário neste DE aproveitando a oportunidade de Dugin ter sido citado nele e Fusaro em oportunidades anteriores.
Tanto Fusaro com Dugin ainda são incógnitas, penso eu, como novo alento para a luta que se mostra necessária. Pelo que ligeiramente li até agora instintivamente começo a pensar que Nova Resistência parece uma armadilha para “esquerdistas infantis”.
P.S.: Veio-me à cabeça: “Será o Dugin uma rencarnação de Rasputin?”
P.S. 2: Acabo de achar o artigo O filósofo russo que liga Putin, Bannon, Turquia: Aleksandr Dugin que começa com:
O ultra-nacionalista russo apelidado de “Rasputin de Putin” pela Breitbart News, que foi dirigido pelo estrategista-chefe do presidente Donald Trump, Steve Bannon, surgiu como um improvável ponto de conexão da política externa para o Kremlin
Do artigo citado no final do comentário acima reproduzo um trecho que me chamou atenção por mostrar a conexão do Dugin com o Trump e a direita “trumpista” dos EUA.
Dugin, que há muito previu o fim da “hegemonia liberal ocidental”, disse que a eleição de Trump promete mudar o curso da história mundial.
“Incrivelmente bonito – um dos melhores momentos da minha vida”, disse ele após a posse de Trump.
Após décadas de acusações contra Washington por buscar a “ocidentalização de toda a humanidade”, a ascensão de Trump levou a uma conversão Damascena para Dugin, que declarou o anti-americanismo “acabado”.
“América não só não é um adversário, é um aliado potencial sob Trump”, disse ele.
Na época encerrei minha rápida pesquisa sobre o Fusaro e o Dugin memorizando preliminarmente e resumidamente o primeiro como um euro-cético e o segundo como fascista-místico-ocultista. E esqueci o assunto. Até que numa live (veja abaixo no ponto em que falam do Dugin) com o Attuch e o Pepe Escobar foi citada uma conferência com o Dugin (que aconteceu ontem).
Concordo plenamente com a indignação do Pepe citando Umberto Eco sobre a rede social ter despertado um bando de idiotas que antes não tinha voz ou um canal facilitado para veicular sandices. Antes o tête-à-tête obrigatório amortecia o ímpeto dos energúmenos porque até a retaliação física (não necessariamente pela violência física mas retórica e veemente) era uma opção que tornava desagradável afirmar o que se quisesse de forma grosseira ou inconsequente. Até aí “morreu o Neves”. A revolta do Pepe, ex-trotskista conforme declarou, foi ter sido chamado de fascista a próposito de divulgar a conferência do Dugin. Não acho justo chamar o Pepe Escobar de fascista só porque se interessa pelas ideias “eurasianas” do Dugin em razão, acho eu, de seu metier de jornalista cujo tema principal é a geopolítica. Embora ache que o viés “espiritualista” da algaravia ocultista do Dugin o atraia. Além da vontade de se contrapor ao deep state americano. Mas tudo isto pode ser no futuro visto como uma ilusão de solução e a esquerda parece estar siderada por esta “quarta via” que está surgindo. O Pepe falando que o “imbecil” que disse que o Dugin era fascista não sabia nada sobre o Dugin me caiu mal pois talvez o tal “imbecil” já tivesse feito algum “dever de casa” ao falar isto. E o Pepe deu um tiro de canhão no comentarista que falou mal do Dugin. Pois quando um “imbecil das redes” se contrapões a um “Pepe” com um “traque” ele, do alto da sua experiência jornalística e prestígio, só pode responder como se possuísse um canhão e chamar o opositor de imbecil sem ao menos discutir com o mensageiro. Num “ad hominem” que ele mesmo abomina. Neste aspecto temos que admirar o quão gentleman é um Rui Pimenta do PCO que mesmo sendo também uma sumidade no seu meio nunca desmerece mesmo o seu interlocutor mais destrambelhado. Por vergonha alheia ou por vestir a carapuça o fato é que resolvi também, após ter lido algumas opiniões e artigos, partir para ler matéria de primeira mão. Resolvi ler, pelo menos o início, do livro “A quarta teoria política”, do Dugin. Não sei se vou aguentar ou conseguir ler todo mas acredito que mesmo lendo a parte inicial, onde provavelmente os princípios são explanados, poderá dar uma ideia razoável do que se trata. Pretendo ir desenvolvendo este post aos poucos à medida que for lendo.
A citação da frase do Umberto Eco pelo Pepe Escobar sobre as redes sociais me fez lembrar do livro O pêndulo de Foucault, que cito no meu post O ornitorrinco, em homenagem ao escritor de Alexandria. Na história, além de mostrar que uma história inventada meio que por brincadeira e totalmente falsa pode mover engrenagens de crédulos do “quia absurdum”, mostra principalmente a loucura que é o ocultismo. O nome desta “seita” já revela o que quer ocultar.
Logo no início da minha leitura do livro do Dugin já me deparei com conceitos e referências no mínimo preocupantes, no sentido de detecção de um movimento de direita ou fascista nas ideias do Dugin, onde já surgem citações a um nacionalismo comum nas potências centrais que geralmente tem um caráter diferente do nacionalismo reativo das periferias voltados para a defesa da soberania enquanto que o outro, mesmo quando fala de soberania, remete ao fascismo pois soberania é diferente a depender da direção em que se olha. Já no início surgem Madame Blavatsky (ocultismo), Carl Schmitt (nazismo), Julius Evola (esoterismo e proximidade com o fascismo italiano), paideuma do Frobenius (pesquisador e pensador de uma civilização africana como uma Nova Atlândida), teosofia, Nacional-Bolchevismo etc. O universo de elementos “costurados” pelo Dugin é grande e pode dar material abundante para uma parte da esquerda, que quer desistir, se chafurdar. Dugin usa uma estratégia de sedução poderosa. Primeiro declara como inimigo o liberalismo. Também declara que é o vencedor. Como corolário declara como perdedores o fascismo, o comunismo etc. Logo no início do livro vemos:
No mundo atual, a política parece ter acabado, pelo menos como nós a conhecemos. O liberalismo persistentemente lutou contra seus inimigos políticos que haviam oferecido sistemas alternativos; isto é, o conservadorismo, o monarquismo, o tradicionalismo, o fascismo, o socialismo e o comunismo [grifos nossos], e finalmente ao fim do século XX, havia derrotado todos eles.
A direita detecta que a esquerda está desarticulada e acena, com um canto de sereia, com sedutoras soluções numa colcha de retalho digna de um “universo em desencanto”. Este pano de fundo é escamoteado por uma superfície geopolítica que o justifica como solução para combater o “grande satã” do liberalismo. Lembra um pouco a ideia da esquerda no Brasil de eleger o “poste do Haddad” para barrar o Bolsonaro ou a direita eleger o Bolsonaro para esconjurar o PT e a esquerda no poder (como bem foi colocado no artigo do DCM que citei lá encima). Embora o liberalismo, especificamente o neo-liberalismo, esteja no centro da catástrofe e não seja um espantalho ou homem de palha estritamente pode ser assim encarado conceitualmente nesta ótica de prestidigitação onde se abana com uma mão para que não se veja o que faz a outra. Investigando sobre o Julius Evola descobrimos na Wikipedia coisas bem sérias a seu respeito:
O historiador Aaron Gillette o descreve como “um dos mais influentes racistas fascistas da história italiana”, enquanto Stanley Payne o aponta como influente para movimentos neofascistas contemporâneos.
Julius Evola – Wikipedia
Mas nada confirma mais a Wikipedia do que o cuidadoso artigo do próprio Dugin, sempre dúbio e obscuro que poderíamos apelidá-lo Dubiun.
[…]
Revolução conservadora é uma versão conservadora da revolução — isto é, a revolução vista pela Direita — e também uma versão revolucionária do conservadorismo — isto é, conservadorismo visto pela Esquerda.
Politicamente, Evola se posicionou à direita da Revolução Conservadora, chegando a se intitular abertamente como “reacionário”. Mas a totalidade do trabalho de Evola — e principalmente seus últimos livros — clara e incontestavelmente mostram a presença de uma autêntica sensibilidade revolucionária interior. Tal sensibilidade só pode ser entendida, dentro de uma terminologia contemporânea, como sendo de Esquerda.
[…]
O paradoxo da Revolução Conservadora de Evola está mais marcado no campo metafísico do que propriamente no político.
[..]
Evola encontra no tantrismo a forma tradicional que melhor reflete sua natureza espiritual. O vīra tântrico é seu próprio arquétipo. Ora, mas logo a figura do vīra tântrico, que rejeita os laços védicos tradicionais, que se ocupa de práticas obscuras e aterradoras em cemitérios — seria ele verdadeiramente ortodoxo? Falar aqui de uma ortodoxia estrita é impossível. Trata-se de uma ponto que tangencia uma certa “ortodoxia heterodoxa” e, portanto, uma “revolução conservadora” — até mesmo uma metafísica paradoxal. Também cabe lembrar da atitude bastante positiva de Evola referente a certas figuras controversas, como Aleister Crowley, Giuliano Kremmerz, Gustav Meyrinck, etc.
A sensação do “Universo em Desencanto” cada vez aumenta a medida que leio. Se não conhece o Universo em Desencanto, um livro intragável de uma seita do passado que atraiu Martinho da Vila, Tim Maia e outros fazendo-os vestir branco, veja em http://livroracional.com.br/leitura.php.
Notatadamente vemos no artigo do Dugin uma técnica de esvaziamento do significado com o intuito de confundir. “Revolução conservadora”, por exemplo, é um paradoxo no texto de Dugin. E uma contradição em termos para quase todo mundo. A revolução busca justamente não conservar uma série de coisas no mundo que atravancam a libertação do potencial humano. Mas a linguagem é construída por metáforas e se presta poeticamente a uma tal flexão. Mas o que na poesia é aceitável e belo levando a nossa imaginação ao píncaros não o é num discurso onde a vontade de potência como dominação é o que se está expressando de forma mais contundente. Começo a ver o esoterismo como componente fundamental desta corrente duginiana que, como as forças telúricas nas história do Umberto Eco, subterraneamente quer se infiltrar e subverter a revolução, justamente neste momento de crise que pode ser uma parteira dela.
Dugin se ancora num anti-liberalismo para decretar um “fim-da-história” alternativo ao do Fukuyama. Para Fukuyama a história termina não para que outra comece. Mas para cristalizar um desejo de permanência. É coloquial. Um “tenho dito”. É da mesma natureza o que diz Dugin. Mas agora, ancorado no decreto liberal do “fim da história”, proclama, parecendo dizer o contrário, um novo fim da história numa “revolução conservadora” que só é “revolucionária” se considerarmos uma volta no tempo, sem uma máquina do tempo, revolucionária. As referências a um passado que nos lembra a “Terra Oca” dos nazistas e a “Terra Plana” revivida tece uma teia simbólica de loucura e irracionalismo, não um irracionalismo que dialoga com um racionalismo e o complementa ou contesta para evitar arroubos totalitários sobre o que determina a humanidade e seus rumos, mas um irracionalismo que é acachapante e absoluto como as naves de Clarke pairando sobre a Terra em o “Fim da infância“.
Prosseguirei aos poucos mas por enquanto paro por aqui.