O papa Pedro
author:: chicoary
source:: O papa Pedro
clipped:: 2023-09-22
published:: março 31, 2018
Santidade, no nosso encontro anterior, o senhor me disse que a nossa espécie desaparecerá em certo ponto, e Deus, sempre a partir de sua semente criativa, criará outras espécies. O senhor nunca me falou sobre almas que morreram no pecado e vão para o inferno para descontá-lo eternamente. O senhor, em vez disso, me falou sobre almas boas e admitidas à contemplação de Deus. Mas e as almas más? Onde são punidas?
Não são punidas. Aquelas que se arrependem obtêm o perdão de Deus e vão entre as fileiras das almas que o contemplam, mas aquelas que não se arrependem e, portanto, não podem ser perdoadas, desaparecem. Não existe um inferno, existe o desaparecimento das almas pecadoras.
Entrevista com o Papa Francisco, por Eugenio Scalfari
Há um premonição escatológica de São Malaquias sobre o fim do mundo. O fim do mundo pode ser interpretado também como o fim da Igreja como poder ou com o poder que ainda tem. O vídeo Papa Francisco é o papa do fim do mundo brinca com a profecia de Malaquias. Mas com certeza o atual papa gera instabilidades na Igreja através de alguns conflitos com a área conservadora e reacionária da mesma.
Na resposta ao entrevistador, citada acima, o papa parece adotar um ponto de vista darwiniano da seleção natural da almas pecadoras não alcançadas pelo arrependimento e sujeitas ao desaparecimento. A revolta, da Igreja, com esta frase talvez se origine do que se pode fazer com isso para dominar os crentes. Agora as almas também “morrem”. O pecador empedernido, e acredito que estão falando dos não-crentes também, não pode mais se consolar com a imortalidade, mesmo que no inferno. Só haverá o desaparecimento. Parece consolador mas também terrífico do ponto de vista constituinte da Igreja com seu pseudo espiritualismo baseado no secular mas também no medo e no controle das mentes. Já se aboliu o purgatório. Só faltava o inferno. Brevemente… o céu.
Depois disso poderíamos “voltar à Terra”, como queria Nietzsche. Pararíamos de ser alienígenas. Voltaríamos a ser terráqueos…
Já a minha pele enruga e estala,
Já anseia com um novo ímpeto.
Apesar de tanta terra absorvida,
Desejo uma terra nova.
Já rastejo entre a relva e os calhaus,
Acompanhando o meu rasto tortuoso,
Ávido de comer o meu repasto de sempre:
Tu, sustento de serpente, tu, terra!Na terceira mudança de pele, em A Gaia Ciência, de Nietzsche
E a imprensa do Vaticano se apressa em desfazer o “mal-entendido”. Com a conivência de Scalfari.
No seguimento desta situação, a assessoria de imprensa do Vaticano veio a público deixar claro que o Papa acredita nos princípios centrais do catolicismo (onde é defendida a existência de um inferno) e que aquela declaração não era nada mais nada menos do que um “fruto da reconstrução” por parte do jornalista veterano, que já admitiu no passado ter colocado palavras na boca de Francisco. O comunicado esclarecia ainda que o líder do Vaticano não tinha concedido qualquer entrevista a Scalfari, sendo que os dois apenas se encontraram ocasionalmente numa celebração privada de Páscoa.
A Igreja é uma instituição cuja organização inspirou a ideia das células comunistas. O Vaticano é o único Estado ao qual se permite ter agentes incrustados em todos os países.
Viviane Mosé, num vídeo, diz que a Igreja já foi mais voltada para o sagrado quando o padre rezava a missa de costas para os fiéis e voltado para o Cristo, ou pelo menos simbolicamente para a imagem dele. O Latin do padre seria incompreensível e, por isso mesmo, melhor para dar mais liberdade para as divagações e epifanias dos crentes. Podemos comparar com o fato de que é mais fácil fechar os olhos e dormir ouvindo as vozes de um filme falado em outra língua do que na lingua materna. Mas, o padre, que antes estava na periferia do panótico, observado pelos assistentes da missa, se vira e se coloca no centro do panótico observando e pontificando para os católicos na língua local. Esta é uma visão foucaultiana condizente com a admiração da Mosé pelo filósofo do Vigiar e Punir. No entanto, embora sem nenhuma contradição importante, na época em que a Igreja se voltava mais para o sagrado, nessa concepção, a Inquisição ocorreu. Embora ainda exista o Santo Ofício as técnicas se tornaram mais sofisticadas. O giro do padre talvez represente mais uma continuidade e uma atualização do que uma ruptura.
Mas com base em Nietzsche e sua interpretação não podemos nos iludir.
Eu volto atrás. Conto a autêntica história do Cristianismo (des Chirstenthums). Já a palavra ‘Cristianismo’ (Christenthum) é um mal entendido – no fundo houve um único cristão, e este morreu na cruz. O ‘Evangelho’ morreu na cruz.
No ensaio de Giacoia, Nietzsche e o cristianismo, há uma distinção entre Cristianismo e Cristianicidade.
A Cristianicidade não se expressaria em estatutos, organização institucional com cerimônias e rituais; ela consiste antes numa práxis, num fazer e se abster, numa forma de ser? A Christlichkeit é uma condição natural de vida, não uma causalidade psicológica, ativada por crenças e estados mentais. Para Nietzsche, essa práxis – esta é autêntica Boa-Nova.
O Cristianismo (das Christenthum), por oposição a isso, é uma religiosidade da fé. “Estados de consciência, alguma crença, um ter-por-verdadeiro, por exemplo – todo psicólogo o sabe –, são, com efeito, estados completamente indiferentes e de quinta ordem considerados em relação ao valor dos instintos: dito de maneira mais rigorosa, o inteiro conceito de causalidade espiritual é falso.” (Nietzsche)
Talvez o papa esteja pendendo mais para a cristianicidade e, por isso, gerando conflitos com os cristãos. Mas não podemos esquecer que
“O puro espírito é a pura mentira… Enquanto o padre for visto ainda como uma espécie superior de homem, ele que é por profissão negador da vida, não haverá resposta à pergunta: O que é a verdade? A verdade já foi posta de cabeça para baixo quando o advogado consciente do nada e da negação é visto como o representante da verdade.” (NIETZSCHE).