Por que os ricos não fazem greve? - Que é a greve?

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Que é a greve?

-- Álvaro Vieira Pinto

AO APRECIAR O FATO DA VOLUNTÁRIA CESSAÇÃO DO trabalho por parte dos trabalhadores, temos de distinguir entre o que constitui apenas a aparência ou aspecto externo de tal fato, e o que pertence à sua essência. Na ocorrência visível, a greve se define como a decisão coletiva, total ou parcial, de uma categoria profissional, ou, em casos mais raros, de todos os assalariados, de abandonar o trabalho por determinado motivo de caráter econômico ou político. Mais freqüentemente é a necessidade de reagir aos insuficientes níveis de salários que leva o operariado a decretar a greve de certo ramo da indústria, do comércio ou dos serviços. Mas, ao lado dessa causa, deflagram-se às vezes greves por motivos que não aparecem imediatamente como sendo de caráter econômico, e sim revelam uma intenção política, por exemplo, protestos contra prisões de trabalhadores, oposição às tentativas de grupos militares de dar "golpes" reacionários, violando a Constituição e as leis, ou, ainda, como recurso para forçar os órgãos legislativos a tomarem decisões favoráveis aos interesses populares. O processo de origem de deflagração do movimento grevista é variável, depende na maioria das vezes do grau de organização sindical da respectiva categoria de trabalho, da atividade dos elementos mais conscientes, da comoção psicológica sofrida pela massa trabalhadora diante de um acontecimento nacional de extrema gravidade, etc.

Nosso intuito neste trabalho não consiste em analisar as condições e os modos como se manifesta o surto grevista, muito menos em abordar temas de direito constitucional ou trabalhista. Interessa-nos apreender a essência do *fenômeno de greve enquanto acontecimento social objetivo, pois a partir dela é que estaremos em condições de julgar os fatos concretos nos quais se manifesta. Não nos perderemos no exame de estatísticas, na história dos movimentos grevistas, tema da mais alta importância, inteiramente quase intocado até o presente entre nós, e imprescindível contudo para traçarmos o panorama da nossa evolução social, sobretudo nas fases recentes ido desenvolvimento nacional. Por muito que valorizemos este assunto, não é dele que nos iremos ocupar. Tentaremos encontrar a essência da greve, mediante uma reflexão teórica, que só pode ter por fundamento a compreensão da essência do trabalho, fundada na observação das modalidades como é praticado no país subdesenvolvido, submetido ao imperialismo, lutando por alcançar fases mais adiantadas do desdobramento de suas forças produtivas.

A teoria do trabalho no regime vigente oferece a única base justificada para intentarmos a descoberta da essência da greve. No país capitalista marginal, subdesenvolvido, semicolonial, as contradições inerentes à sociedade capitalista enquanto tal acham-se complicadas pela interveniência de outras contradições, as que decorrera da subserviência geral do país a outro, mais desenvolvido, que detém praticamente o comando integral da economia do mais pobre. Surge, assim, um quadro social e político de redobrada complexidade. A avaliação do significado e do peso de urna dada contradição. passa a ser objeto de controvérsia, não existe acordo geral, nem é fácil consegui-lo, sobre o grau de desenvolvimento das forças produtivas internas do país. e suas possibilidades de prosseguimento autônomo. A presença do capital estrangeiro e a vassalagem política em que se coloca o país recebedor em face do ofertante, cria uma contradição geral, envolvente de toda realidade do país e dá origem à questão de saber se essa contradição, por sua amplitude e profundidade, assume o papel de principal no jogo das contradições internas; ou se deveremos considerar como principal a contradição de classes, própria da estrutura vigente, a oposição entre capital e força de trabalho, convindo, em tal caso, focalizar a contradição imperialista pelo ângulo desta segunda, considerada principal.

Parece-nos que o único perigo na escolha de uma dentre estas duas posições não consiste em entender a outra como secundária, mas em eliminá-la do campo de cogitações. Porque este sim, seria o procedimento anti-dialético, que ignoraria a mútua dependência de todas as contradições existentes em dada sociedade. Outro erro dogmático seria julgar imobilizadas as relações entre as diversas contradições. O que se deve admitir, ao contrário, é a existência de complexa dinâmica entre elas, que as faz não apenas se inter-condicionarem, mas variarem de posição e de significado ao longo do tempo em que se desenrola o conjunto do processo nacional. Se considerarmos o caso de um país em rápido crescimento, como o Brasil, esta complexidade se agrava é nos leva a afirmar que não pode haver enunciados dogmáticos na definição das contradições sociais, mas se toma necessário distingui-las, pesá-las, examinar a forma como procedem diretamente sobre os acontecimentos e em relação às demais, porém sempre tendo em vista o significado relativo, variável e "transitante" de cada uma. Quando definimos em dado momento uma contradição como principal isto não significa que nos estejamos referindo a uma estrutura hierárquica imobilizada, mas indica que mencionamos um processo, no curso do qual a principal pode, do ponto de vista de um fato concreto, ser julgada ao mesmo tempo secundária, no sentido em que é influenciada por essa outra, que consideramos secundária.

Passando ao quadro atual da realidade brasileira, não temos receio de afirmar ser o imperialismo ainda a principal contradição da nossa sociedade. Contudo tal assertiva não implica em subestimar a contradição de classes, pois esta é estrutural no regime vigente, e por isso é necessariamente, desse ponto-de-vista a principal; apenas queremos significar que circunstancialmente, mas nem por isso menos objetivamente, a contradição de classe se vê obrigada a manifestar-se num contexto nacional dominado globalmente por outra contradição que a envolve por inteiro, — o imperialismo da nação poderosa, — de tal modo que todos os aspectos da contradição de classes são marcados por esta situação de subserviência imperialista, assim como reciprocamente, não poderia ser investigado o fenômeno do imperialismo sem ligá-lo aos interesses divergentes das classes em conflito, tanto no país submisso quanto no opressor.

Como o trabalho do país pobre se realiza dentro do campo de gravitação imperialista, onde se acha incluído, as relações antagônicas de classe não se apresentam em caráter puro, mas influídas pelas pressões da dominação externa. Seria cair no devaneio tratar a relação entre o trabalhador e o capital a que serve sem levar em conta a diferença qualitativa, do ponto-de-vista político, entre capital de origem interna e capital alienígena. Eis porque o problema do trabalho no país capitalista semicolonial se mostra com características especificas e desenha um intricado jogo de contradições. Do simples modo de ver do trabalhador, de sua situação existencial, o resultado é sempre o mesmo: vende sua capacidade de trabalho a troco de determinado salário: Mas, na perspectiva sociológica e política há diferença em saber se essa venda se faz ao capital nacional ou ao estrangeiro. Claro está que, enquanto instrumento de classe, os dois se identificam como exploradores do trabalho, mas em relação aos rumos do processo do desenvolvimento nacional se distinguem, pois seus interesses podem, em determinadas circunstâncias, se tornar divergentes e entrar em relativo atrito. O capitalista nacional vê-se obrigado por isso a assumir sempre posição ambígua, a qual terminará por se tornar insustentável. De um lado, como capitalista, seu papel em relação ao operário é o do natural aproveitador do trabalho alheio; mas, em face da existência de um capital estranho operando no país, portanto explorando a mesma massa trabalhadora, estabelece-se espontâneo conflito, pois não convém ao nacional que o campo de sua ingerência seja invadido pelos forasteiros. Estes, entretanto, são imensamente mais poderosos, e ademais são os fornecedores dos bens de produção, máquinas, técnicas, matérias-primas, de que carece o industrial brasileiro. Donde já, por este aspecto, ter de aceitar a irrecusável aliança com o capital estrangeiro, embora a contragosto, e com o íntimo desejo de expulsá-lo para ser o único a explorar a massa trabalhadora do país. Como este propósito é no presente irrealizável, o capital nacional aceita unir-se e subordinar-se aos interesses dos monopólios estrangeiros, pois não encontra outra alternativa, em vista da ausência de poder político próprio, para rechaçar os invasores. Conluia-se, assim, com eles, mas sua aliança instável e de má fé.

0 domínio do capital de fora é praticamente universal, e só tende a crescer com as sucessivas capitulações que impõe ao setor nacional da economia brasileira esse extraordinário influxo econômico traduz-se em predomínio político. A burguesia capitalista nacional vê-se estirada em direções diversas e contraditórias, o que explica o seu comportamento incerto, incoerente, vacilante. Por um lado, seus interesses, em princípio, se opõem aos do capital estrangeiro, mas necessitando também de proteção política para figurar na classe dominante, e reconhecendo que nessa esfera o domínio do estrangeiro permanece a bem dizer completo, vê-se obrigada a se aliar ao capital forâneo, pois a não ser assim ou ficaria sem apoio algum ou teria de pedir proteção às próprias massas trabalhadoras que explora. Sua conduta tem de ser, pois, incoerente e alternante; não ousa afrontar o capital estrangeiro senão de modo esporádico e assistemático. De outro lado, desejaria receber apoio das massas na luta contra o invasor, mas não as pode ter por aliadas fiéis e duradouras porque são as vítimas da sua atividade espoliadora.

Contudo, esta incoerência constitui para as massas trabalhadoras um fator decisivo na sua luta geral contra a classe dominante, porquanto descobre que se defronta com uma classe que só aparece como• homogênea sob certos aspectos, mas se mostra dividida quanto a outros. Convém-lhe, portanto, explorar a fragilidade do grupo dominante, aprofundando-a, o que consegue aliando-se de modo tático e provisório, aos grupos portadores do capital nacional, instigando-os a expulsar o invasor, porque, enquanto assim procede, enfraquece o poderio geral da classe exploradora.

Vemos, por esta análise, como se alteram e modificam as contradições, variando a posição e o significado da principal. Quando a classe trabalhadora, por motivos de conveniência, se alia aos proprietários do. capital nacional, ou os apoia, está fazendo a sua contradição com eles ceder o lugar de principal à contradição entre o capital nacional e o estrangeiro. Quando, porém, retoma a defesa dos seus direitos de massa operária e se opõe à totalidade dos capitalistas, faz esta oposição reassumir o papel de contradição principal. No país subdesenvolvido este jogo é permanente e as configurações mudam com grande freqüência e rapidez. Não há rígida hierarquia entre as contradições sociais. Variam dialeticamente. Os grupos imperialistas compreendem perfeitamente esta situação e procuram explorá-la em seu favor. Sabem que não contam com a firme adesão da burguesia nacional, a qual, se pudessem, deles se desembaraçaria para agir sozinha. Por isso, os representantes dos monopólios estrangeiros respondem a este estado de coisas reforçando seu poderio econômico pelas múltiplas modalidades de absorção do capital nacional, captando, pela tática dos reinvestimentos, a poupança, os excedentes, os lucros do capitalismo nativo, manobra graças à qual eliminam quase inteiramente o adversário no seu próprio terreno; e ademais, lançam mão dos recursos políticos para obter a forçada aquiescência de eventuais empresários nacionais discordantes. Criam planos de "ajuda" econômica com finalidade exclusivamente política, trocando a nomenclatura da atividade imperialista segundo as conveniências. Quer se chamasse em certa época "Pan-Americanismo", e depois "Boa Vizinhança", quer tenha hoje o nome de "Aliança para o Progresso", a finalidade política dessa falsa e insidiosa generosidade é sempre a principal e a mesma: manter a dependência dos grupos dirigentes do nosso país às forças do imperialismo estrangeiro. O capitalismo nacional sente-se obrigado a aceitar esse ignominioso e espoliativo conluio, porque, se o não fizer, não apenas sofreria sanções econômicas, como perderia a cobertura e o apoio de todo o sistema capitalista mundial onde se entrosa material e ideologicamente, e se encontraria sozinho em face das massas trabalhadoras, suas naturais adversárias. Para evitar esta contingência, que lhe seria fatal, tem de se apresentar, mesmo contrariando uma parte dos seus interesses, como aliado dos planos econômicos e políticos da nação imperialista. Como, entretanto, sua composição de grupo por mais homogênea que seja nos seus fundamentos sempre apresenta flutuações individuais, explica-se, assim, que haja no seio do mesmo governo, por exemplo, ou no âmbito de uma poderosa instituição da classe dominante, tal a Federação das Indústrias, elementos descontentes ou de conduta desviada da linha geral do grupo. Não é de estranhar que o mesmo governo que pratica em certas circunstâncias gestos reveladores de elementar sentimento de autonomia nacional, logo a seguir aceite um plano de diretrizes típicas dos projetos imperialistas. Vote a favor da autodeterminação dos povos, o que significa, na prática, contrariar os planos americanos de esmagamento da revolução cubana, mas ao mesmo tempo sujeita-se à "Aliança para o Progresso", como se ignorasse o real sentido imperialista dessa velha manobra, apenas original agora na taboleta.

Dois fatores condicionam o comportamento vacilante e disperso da elite dirigente num país, como o nosso, em início de chegar à etapa do desenvolvimento superior, mas ainda incluído na esfera da influência imperialista: de um lado, os interesses do capital nacional, que sabe agora ter condições de prosseguir por si na conquista das etapas mais altas do desenvolvimento, conforme atestam recentes pronunciamentos de destacados economistas ligados à alta finança local, e se vêem obstados pela avassaladora pressão do capital externo; de outro lado, a crescente consciência das massas populares, imbuídas de pensamento nacionalista, cada vez mais adversas à intromissão dos agentes imperialistas, e atualmente capacitadas, por aguda sensibilidade política, a discernir com plena clareza o sentido oculto das supostas manifestações de simpatia e ajuda dos monopólios estrangeiros. O político brasileiro burguês da atualidade vê-se distendido entre dois extremos: não pode mais, como até bem pouco, entregar-se docilmente à inteligente direção dos embaixadores do imperialismo, porque a consciência dos trabalhadores, dos estudantes, dos elementos válidos das forças Armadas, e de numerosos setores das classes médias a isso se opõe; são forças lúcidas e vigilantes, que exigiriam sobre-humanos prodígios de habilidade na malícia e na desfaçatez para serem enganadas. De outro lado, também, não pode trasladar-se resolutamente para o campo das massas trabalhadoras, e com elas confraternizar, porque perderia os suportes e garantias políticas, que lhe são fornecidos pela classe econômica dominante, na qual mesmo os setores nacionais vetariam a aliança com o povo, receosos do incremento do potencial político das camadas populares. Conclui-se, portanto, que a contradição interna dominante no capitalismo fica sob certos aspectos suplantada pela contradição entre o país, como um todo, e a nação opressora, imperialista, cuja influência gera um espaço onde se modificam ou assumem tonalidades específicas as lutas sociais e os problemas apresentados por uma particular realidade nacional.

Estas reflexões pareceram-nos úteis para nos encaminharem à compreensão da essência do trabalho, no caso de um país como o nosso. Não só na indústria ou no comércio, mas também na agricultura, o trabalhador vende a sua força de ação a alguém que se constitui em membro de uma classe distinta da sua por ser dono dos meios de produção, coisa que o trabalhador não possui. Para a conceituação do trabalho é preciso acentuar não apenas as suas modalidades, os níveis distintos em que se realiza, o grau de adiantamento das técnicas executadas, as regiões do país, as condições materiais gerais que o determinam, mas ainda faz-se mister levar em conta as naturais divergências existentes na classe patronal. Este aspecto tem decisivo valor para a compreensão do conceito do trabalho entre nós. Porque introduz um dado que falta nos esquemas tradicionais dos antagonismos sociais nas áreas capitalistas metropolitanas. Para o combate político das massas, para o pensador que assume o ponto-de-vista do povo, é imprescindível ter em mente sempre este dado: a classe social a que se opõem tem dupla personalidade, ora se apresenta como um todo unificado, ora, se revela dividida, formando-se nela um setor que desejaria selar um pacto, provisório, é claro, com os trabalhadores. Esta circunstância não deve ser jamais perdida de vista. Dela decorre a fixação dos rumos da política da classe trabalhadora, sua tática de luta, a definição dos objetivos do momento e a consolidação dos resultados. No país subdesenvolvido o trabalho não é apenas atrasado quanto à forma, à técnica, ao regime de relações jurídicas; tem ainda outra característica: é prestado a um duplo patrão, o nacional e o estrangeiro, este último segundo duas modalidades: diretamente, ou por intermédio do outro. Neste fato reside a causa da impossibilidade de conceituar o trabalho do país subdesenvolvido sem incluir no enunciado da sua essência a menção de ser um trabalho executado não apenas em regimes múltiplos, feudal, semifeudal, pre-capitalista, capitalista, mas em condições de submissão nacional ao imperialismo. Por isso, tanto quanto o fenômeno da greve depende da essência do trabalho, no particular contexto político considerado, tal duplicidade de condições se irá refletir na definição da greve no país subdesenvolvido.

Na aparência, a greve se manifesta como pura e simples voluntária recusa a trabalhar. Mas esta conceituação, se a aprofundarmos, mostrar-se-á insuficiente, porque se notará que apreende apenas a exterioridade do fato, sem lhe alcançar a essência. Sabendo-se que no país atrasado, capitalista e dominado pelo imperialismo, o trabalho tem feição peculiar, no modo como é executado, pode concluir-se que a greve também tem nele características próprias. Ao procedermos à análise da greve nas condições particulares do país subdesenvolvido é que se revelará com toda a clareza a essência da greve. Esta não consiste no puro e simples não trabalhar, mas no trabalhar para si, sob a aparência do não-trabalhar. No regime capitalista, o trabalho sendo feito para outro, — o possuidor do capital, — que se apodera daquilo que a sociedade em conjunto produz, o trabalhador entrega a um não trabalhador os frutos do seu esforço pessoal. Como não há em tal regime o pagamento da força de trabalho real aplicada pelo trabalhador, mas apenas de parte dessa força, o resultado é a divisão da sociedade em classes opostas, numa residindo a força efetiva de trabalho e noutra a posse dos meios de produção. Sendo esta última a que se apropria dos resultados reais do trabalho coletivo, que não são divididos socialmente em partes iguais e distribuídos a todos os membros da comunidade de maneira equitativa, o que se passa é que o operário trabalha para produzir os bens que outro indivíduo vai consumir sem haver contribuído com trabalho para a produção deles. Deste modo, o trabalhador não trabalha para si, socialmente falando, mas para outro, para os integrantes de outra classe, que se apoderam privadamente dos resultados do labor geral das massas assalariadas. Como o salário não paga a totalidade do valor criado pelo operário, este só recebe o correspondente a uma fração mínima, necessária para mantê-lo vivo como animal de trabalho. O resto, a parte mais substancial do valor por ele criado, lhe é arrebatada pelo capitalista, que dela se apossa. Reina pois, nesse regime, o tipo de trabalho que denominamos para outro, com a particularidade essencial de que esse outro não é um outro trabalhador, mas unicamente o proprietário do capital, dos recursos materiais indispensáveis para a criação dos bens gerados pelo esforço de todo o povo. Logo, o trabalhador não trabalha para si, pois o que recebe como pagamento mal dá para conservar-lhe a existência física, não o enriquece com os objetos produzidos, não lhe permite desenvolver a personalidade, adquirir conforto, condições humanas de vida, cultura espiritual, e todos os demais bens que ficam reservados à classe economicamente dominante, pelo fato de justamente não pagar aos trabalhadores todo o trabalho que executam.

Esta situação social, evidentemente injusta, dá origem aos conflitos entre as classes, nas quais os trabalhadores procuram utilizar todos os meios ao seu alcance para forçar os donos do capital a lhes pagarem uma parcela um pouco maior do trabalho efetivo que realizam. As massas trabalhadoras sabem que são espoliadas e também sabem que constituem a maioria da população; não ignoram que sua vontade, se fosse organizada, seria invencível, mas lutam contra obstinadas e insidiosas resistências opostas pelos capitalistas, que dispõem do poder estatal, inclusive o representado pela repressão violenta, e do poder ideológico. Contudo a luta não cessa e assume variáveis aspectos, que historicamente se manifestaram desde as fôrmas ingênuas da destruição das máquinas no início da era industrial até a moderna luta parlamentar pela votação de leis beneficiadoras do operariado.

Entre os recursos de que lança mão a classe operária na defesa dos seus direitos conta-se a prática da greve, isto é, da cessação deliberada do trabalho, como meio para forçar os capitalistas, lesados pela falta dos bens que a pendência operária acarreta, a atender às reivindicações que lhes são apresentadas. Cria-se assim aquilo que será o aspecto exterior da greve: a falta ao trabalho, o cruzar os braços, a recusa a comparecer fábrica ou ao escritório. Como, na verdade, com esse gesto o operário está de fato exigindo o aumento do pagamento pelo trabalho real que dispende, o que está pleiteando é o aumento para si do valor do trabalho que faz para outros. Quer ampliar (até chegar um dia à totalidade) a parte para si do seu trabalho. Numa palavra, não quer continuar a trabalhar para outro. Neste fato se descobre a essência da greve, oculta pela aparência de simples resistência, recusa, ou ausência.

Ao entrar em greve o trabalhador assume a postura de quem se apodera do seu próprio trabalho, ainda que, para consegui-lo, tenha de praticar um feito aparentemente negativo, o de não trabalhar. Mas, considerada em sua essência, essa atitude não significa o não-trabalhar absoluto, e sim o não-trabalhar relativo, o não-trabalhar para o outro, o capitalista. Durante a greve não só se patenteia a natureza íntima do trabalho em regime capitalista, como se desvenda também a consciência de si que começa a despertar nas massas operárias. Por efeito dessa consciência a greve é proposta, e depois levada a termo. Significa. que o operário principia a compreender sua função de criador da riqueza no processo produtivo, as limitações a que está submetido pelo regime onde se acha enquadrado e descortina a possibilidade de substanciais alterações futuras. Estas têm de consistir na concreta apropriação dos resultados sociais do trabalho pelos verdadeiros trabalhadores, desmascarando-se a interesseira afirmativa dos detentores do capital de que este seria o mais importante dos fatores diretamente necessários à criação da riqueza. Este modo de pensar, profundamente desumano, pois relega o operário ao papel de mero apêndice vivo da máquina ou da empresa, começa agora a ser entendido pelo trabalhador, que descobre o caráter secundário, a natureza histórica e portanto temporária não essencial do capital, fruto da injusta apropriação do trabalho alheio recolhido por alguns poucos afortunados, e verifica ser perfeitamente viável a direta apropriação social da totalidade dos bens produzidos pelas massas, distribuídos a elas sem desigualdades. Neste caso, só nele; o trabalho seria integralmente recompensado; deixando de haver a parcela do trabalho cedida gratuitamente a outro, que constitui o fundamento da espoliação a que as massas estão submetidas. Assim sendo; é claro que no regime de produção socializada, ou seja, naquele em que o trabalho é integralmente compensado, não só a greve torna-se desnecessária como seria um contra-senso. Em tal caso, a greve se equipararia ao suicídio, pois representaria o voluntária desejo do indivíduo não trabalhar para si, condição indispensável para se manter vivo.

No regime socialista a greve é por definição impossível, pois não existe contra quem faze-la, uma vez que ninguém mais trabalha para outro. Nas presentes condições, contudo, é justificada, lógica e inevitável. Pertence à dinâmica do processo social na forma atualmente em vigor. O direito de greve é reconhecido como inerente à pessoa trabalhador, e assim entendido pela Constituição Federal, que, no artigo 158, o legitima, ampara e propõe seja regulamentado por lei ordinária. É verdade que tal lei jamais foi votada, o que bem se compreende, dada a composição de classe do Congresso nas diversas legislaturas que se têm sucedido. Nosso intuito não consiste em defender um direito expresso na Carta Magna, mas em procurar penetrar-lhe o significado, com o auxílio da interpretação filosófica do ser humano e da análise sociológica das condições em que trabalha. Ao proclamar o direito de greve, os legisladores ingênuos, destituídos da correta avaliação do fenômeno, acreditavam estar reconhecendo apenas a existência de uma arma social ao alcance dos trabalhadores para se defender dos excessos de injustiças que viessem a sofrer. Sendo, em sua quase totalidade, capitalistas, serventuários dos grandes industriais ou latifundiários, sabiam os Constituintes que a greve é uma arma perigosa para eles, e por isso se a reconheceram como admissível foi porque não havia como deixar de fazê-lo, em face do grau de consciência das massas. Mas, desde a assinatura da Constituição até hoje não só se esquivaram de regulamentar esse direito do trabalhador, como procuram cercá-lo de todas as limitações, começando por distinguir a greve legítima, "legal", de outra, "ilegal", que merece ser severamente reprimida. À lei ordinária caberia estipular em que casos uma ou outra modalidade se apresenta, mas como não foi ainda votada fica ao sabor dos interesses das classes dominantes declarar "ilegal" a greve que mais seriamente as prejudique. Claro está que o operariado só pode desempenhar papel de espectador na definição das modalidades da greve, na elaboração da lei que as determina, uma vez que não é ouvido, pois não tem representantes pessoais no Parlamento.

Mas o processo da realidade se desenvolve sem considerar as sutilezas jurídicas em que desejariam moldá-lo os dominadores materiais da situação, com o auxilio dos comparsas intelectuais incumbidos de estruturar o sistema ideológico vigente. Reconhecem ao trabalhador o direito de greve apenas enquanto é resistência a uma lesão gave ou injustiça insuportável; mas ainda assim só admitem o direito de parar o trabalho por decisão individual, idealmente concebida como ato de vontade pessoal, sem conivência social. Como a filosofia de que se utilizam os teóricos dessa concepção, de fundo e forma idealista, só concebe o homem como ser individual, dotado de direitos abstratos, que unicamente lhe são reconhecidos enquanto pessoa isolada, "criada por Deus", não é de estranhar que admitam o direito de greve, porém na forma ideal, de simples gesto abstrato da vontade livre da pessoa humana concebida sem vínculos sociais, portanto irreal. Têm de reconhecê-lo, pois do contrário teriam de admitir o trabalho forçado ou escravo. Para poder declarar "livre" o trabalhador precisam previamente depurá-lo, reduzi-lo à espécie ideal de "pessoa humana", ou seja, de indivíduo sem conexões sociais, sem companheiros de trabalho, sem relações de produção, numa palavra, sem humanidade concreta. Só a esse homem, assim idealizado, é reconhecido o direito de fazer greve, quando desejar. Ao homem concreto tal direito é na prática negado, uma vez que para ser posto em exercício exige a ligação dos trabalhadores uns com os outros, a organização de comitês para o sucesso da parede, e todo os demais atos determinados pela natureza social do fenômeno. Para os jurisconsultos idealistas o homem tem o direito de fazer greve desde que a faça sozinho. Pode recusar-se a comparecer ao trabalho desde que não incite os companheiros a fazer o mesmo, não procure esclarecê-los sobre os motivos da decisão que tomou, não proponha a greve nas reuniões do seu sindicato, não se esforce por demonstrar-lhe a utilidade como arma social, não se disponha a propagá-la. É aqui onde se descobre a malícia, mais do que o simples erro técnico, dos pensadores da classe dominante. Quando admitem aquele direito apenas para o indivíduo isolado, mera abstração, ente ideal, é porque sabem que no estado de isolamento praticamente nenhuma greve perduraria e teria êxito nas exigências salariais a que, em geral, visa. Sabem que, em tal condição, o trabalhador seria a primeira vítima do movimento grevista, pois não possui recursos com que se manter e à sua família, deixando de trabalhar. Por isso, procuram os legistas tornar delituosa a atividade de união de grupos trabalhadores para efeito de greve, pois a solidariedade multiplica tanto o efeito da paralisação individual do trabalho que obriga os patrões a ceder às petições da massa obreira. A linha geral de conduta da classe dirigente visa, portanto, a conseguir por todos os meios impedir a formação da "massa grevista", o que muitas vezes é levado a cabo com extrema violência e brutais atentados policiais. Dissociar as massas trabalhadoras, reduzi-las a indivíduos isolados, a seres sem realidade social, abstratos, homens inexistentes, e depois generosamente outorgar a estas figuras imaginárias o direito de greve, eis em síntese a filosofia jurídica da classe dominante.

Mas comete duplo erro: na teoria e na prática. Na _teoria, porque, conforme dissemos, permanece na superfície do fenômeno, acreditando que consiste no simples não-trabalhar, quando consiste no não-trabalhar para outro; na prática, porque a figura do trabalhador isolado é inexistente, pois contradiz a natureza social do trabalho, que exige o grupamento dos homens em categorias profissionais e em classes . A maliciosa esperança dos capitalistas de que as massas se contentassem com o abstrato direito de greve, se revela ilusória nos momentos em que a greve se apresenta ao trabalhador não como um "direito" mas como um "dever". Com esta eventualidade não contavam os pensadores a serviço do poder econômico. Jamais lhes ocorreria que se pudessem constituir situações sociais onde a greve é compreendida como dever. São os momentos nos quais a consciência do trabalhador descobre o que lhe é devido pelos patrões e no entanto efetivamente arrebatado. A greve se apresenta então como o dever de conquistar o devido. Nesses momentos, a greve aparece ao operário como o dever de trabalhar não para outro mas para si. Pode não estar formulada com esta nitidez no seu espírito a concepção do gesto que pratica mas na verdade é este o significado dele. E por isso não será nunca uma atitude isolada, a recusa de si, mas constitui-se, por definição, como comportamento coletivo, pois só em conjunto o trabalho assume características humanas.

A greve não significa, pois, a recusa do homem ao que o define como homem, — a natureza social de trabalhador, — mas a doação de si aos outros homens, aos outros trabalhadores, num gesto que contribui, portanto, para confirmá-lo na condição humana.

Logo, o trabalhador para si se converte em trabalho coletivo, pelo simples fato de ser real, de possuir realidade social. Por isso também o movimento grevista tem de ser necessariamente coletivo enquanto fenômeno de solidariedade social. Na greve tal solidariedade não apenas se manifesta como simultaneamente se cria, se vai desenvolvendo, ao longo da luta comum contra o capital explorador. Um dos mais significativos benefícios da greve enquanto manifestação da consciência trabalhadora é o efeito que exerce como fator de solidarização dos operários uns com os outros, ao lhes revelar a essência da sua condição humana como seres submetidos a uma comum e cruel espoliação.

Este fato tem importância decisiva. No curso da luta coletiva, na solidariedade que então se vai formando, é que se revela ao trabalhador a sua essência humana e a do trabalho, como condição de vida. Verifica, então que não existe como indivíduo isolado, impotente em face das forças da natureza física ou da trama das relações sociais que o envolvem, mas se sente apoiado, fortalecido e dilatado no seu ser pela identificação de pensamento e de ação com os companheiros de trabalho. Deste modo, a greve se converte em escola para a instrução da consciência do trabalhador. Em poucos dias de luta grevista aprende numerosos ensinamentos sobre a realidade social, as relações de trabalho a que está ligado, a qualidade da classe de que depende, e sobre a sua própria natureza individual, como pessoa, ao descobrir que se fortalece e agiganta no seu poderio humano, quando se vincula aos companheiros de trabalho numa reivindicação comum. Aquilo que em pessoa e só, lhe é impossível obter, unido aos demais trabalhadores consegue, embora às vezes com sofrimentos e combates cruéis. A greve abre à consciência do trabalhador horizontes insuspeitados, pois o faz viver experiências imediatas, ricas de ensinamentos práticos vitais, que de outro modo jamais conheceria.

Um deles, é o conhecimento da liberdade. Como ser humano isolado, submisso às imposições de um sistema de relações sociais que encontrou já organizado no momento em que nele ingressa e que não tem meios de modificar pela sua vontade, falta-lhe a possibilidade de conhecer objetivamente a liberdade. É obrigado a acreditar apenas na liberdade subjetiva de que lhe falam os teólogos, os pensadores alienados e os demagogos. Mas a verdadeira liberdade, a liberdade concreta, a que significa o poder ser ou o poder fazer de fato os atos que o beneficiam, que o libertam das servidões e o enriquecem espiritualmente, essa lhe permanece incógnita, porque jamais lhe é oferecida a ocasião de praticá-la. Isolado, não consegue realizá-la, e por isso tem de contentar-se em postergá-la para um futuro indefinido, ou desiludir-se de algum dia conquistá-la. Mas, quando se une aos companheiros na operação da greve, a liberdade lhe é subitamente revelada. Percebe que está ao seu alcance obtê-la, desde que o faça em conjunto com aqueles que também a desejam, e que, por si sós, também não a poderiam conseguir. É então o momento em que a greve lhe mostra, pela união das forças humanas que mobiliza, este aspecto essencial do ser humano, a liberdade. O homem livre não é o solitário, mas o solidário. Esta noção tem importância primordial para a filosofia e para a ética, entendidas na sua genuína significação.

Para a consciência ingênua a liberdade representa um dom interior, identifica-se com a alma do homem, e por isso basta-lhe possuí-la no íntimo do ser. A liberdade objetivamente realizada, ou seja, o estar livre das opressões da natureza e das servidões sociais, da doença, da miséria, da fome, da ignorância, tudo isto é secundário, pois não representa a verdadeira liberdade, que só se encontra no reino do espírito e aí unicamente se manifesta. Esta doutrina conturba a inteligência sobre o significado da liberdade, paralisa a atividade humana, a disposição de luta em favor da conquista da autêntica liberdade. Entre as formas de ação que asseguram esse último objetivo conta-se a greve como das mais fecundas. Ao se constituir em sujeito do seu trabalho, — quando recusa fazê-lo para outrem, — o homem não apenas desvenda o significado desse gesto como liberdade interior, como decisão de uma vontade livre, mas tem acesso à verdadeira liberdade, a objetiva, de que a primeira é reflexo, — quando se junta aos companheiros de sua categoria profissional ou classe social, e com eles pratica em comum a mesma deliberação de trabalharem, todos, para si e não mais para outros, a outra classe. A liberdade torna-se, assim, fato concreto, manifestação histórica real, realização objetiva. Faz-se visível, em vez de permanecer no intimo do espírito como tesouro interior.

E produz efeitos: as conquistas das massas trabalhadoras. Daqui se infere a verdadeira essência da liberdade, a qual consiste no ato efetivo de libertar o homem, a classe ou o país de alguma servidão a que estejam submetidos. A greve é apenas um, entre outros, dos atos libertadores. Sua prática não somente educa o trabalhador na certeza da própria liberdade, como amplia o campo de sua realização social. Revela a natureza do ser humano, ao demonstrar-lhe o domínio que pode exercer sobre a realidade que o circunda, sobre as relações sociais que pareciam aprisioná-lo irrevogavelmente; demonstra-lhe que, longe de estar condenado a perpétua reclusão no sistema explorador do trabalho, que o oprime, é capaz, pelo ato livre, pela greve, de modificar essa situação, que antes lhe apareceria como fatalidade natural, e por isso irremovível. _Descobre sua essência pessoal como existente livre, quando compreende que ao invés de ser objeto do trabalho, tem meios para tornar-se sujeito dele, dominá-lo, transformar-lhe a qualidade, convertendo-o de trabalho alienado em outra espécie, em trabalho humano, para si. E descobre mais ainda, pelo ato da liberdade que é a greve, praticado em comum como um sacramento do povo, penetra mais no fundo da realidade humana, e alcança urna visão mais lúcida e justa do seu significado do que quantas considerações abstratas e metafísicas expenderam a esse propósito os filósofos especulativos. 0 trabalhador compreende a verdadeira e, radiosa significação da humanidade, como conquista de relações fraternas e equânimes entre todos os homens, quando se liga aos seus companheiros e com eles combate pela mesma causa. A prática desta luta, de que a greve é freqüentemente um episódio, constitui o único fundamento que permitirá ao homem alcançar o conhecimento da sua humanidade. Esta não se equipara a um gênero animal, nem é sinônimo da coletividade dos habitantes da Terra, mas se define como modo de existência do ser humano. É, acima de tudo, uma categoria existencial. Porém, ao invés de só poder ser compreendida pelas sutis e cavilosas análises em que se embaraçam os pensadores especulativos, aos quais em nada interessa modificar a efetiva realidade do homem, e que sob o nome de "homem" entendem sempre o espécime tomado da burguesia metropolitana, jamais o operário ou o habitante das regiões subdesenvolvidas, o autêntico conceito de "humanidade" só é entendido por aqueles que descobrem não existir ainda a humanidade como fato objetivo para a imensa maioria dos seres chamados humanos, e se dispõem, pela luta social, a conquistá-la. Ao longo dessa luta é que vão, simultaneamente, compreendendo em que ela consiste e realizando-a como fato concreto. Percebem que a fraternidade se revela como valor moral positivo e altíssimo quando a vêem posta em ato e à prova, no comício de protesto, na ajuda aos perseguidos, na alegria com que se animam mutuamente, na veneração pelos que tombaram na luta.

O significado filosófico da greve, o caráter existencial que possui, precisa ser devidamente indicado e meditado. Quando a repressão hostil, policial, das classes dominantes cai sobre as massas que reivindicam melhores salários ou protestam contra alguma decisão política anti-nacional, patenteia-se o conteúdo positivo da greve como ato social libertador, mas ao mesmo tempo define-se o seu valor como modalidade de ação que põe à mostra a essência da classe opressora. A paralisação do trabalho só é possível, e a greve o demonstra, porque o verdadeiro sujeito do trabalho é o trabalhador, e não o empregador. No período de greve esse fato absolutamente decisivo ressalta com súbita e ofuscante claridade. Na comunhão do trabalho, reside a possibilidade de suspendê-lo mediante a parede. Para que esta seja exeqüível é preciso que sua declaração caiba unicamente aos que trabalham. E daqui se descortina, desde já, a tese que iremos a seguir sustentar, a impossibilidade dos "ricos" fazerem greve, simplesmente porque são o grupo social que não trabalha. A capacidade de fazer greve tem origem absoluta no fato de trabalhar. A greve constitui-se, assim, em critério social para distinguir quem trabalha de quem não trabalha. E porque supõe, na essência, conforme dissemos, a conversão de quem era objeto em sujeito do trabalho, supõe evidentemente que esta transmutação só pode ocorrer na classe que trabalha. O operário pode passar de objeto a sujeito do trabalho. O "rico" não. O "rico" nunca é sujeito do trabalho; é apenas o dono dele. Com efeito, no regime atual, sendo a força de trabalho uma mercadoria, não admite ter sujeito mas apenas dono. Só haverá sujeito do trabalho quando este deixar de ser mercadoria para se tornar fato humano. Eis porque fica desde logo esclarecido que só os "pobres" — conceito social ignominioso, que na verdade significa os "trabalhadores" — possam fazer greve, e os "ricos" não.

Estas reflexões nos encaminham a uma indagação mais profunda, que no entanto procuraremos responder com o máximo de simplicidade: por que há "ricos"?


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