Por que os ricos não fazem greve? - Por que há greves?
Por que há greves?
-- Álvaro Vieira Pinto
O CIDADÃO COMUM, QUE, AO SAIR DE CASA, VERIFICA certo dia não haver transportes urbanos porque os empregados desse serviço se declararam em parede, ou lê nos jornais que determinada categoria de trabalhadores paralisou o trabalho, defronta-se com o fenômeno da greve e, tenha ou não simpatia pelos motivos que a determinam, certamente emitirá uma opinião para explicá-la: "os operários realmente precisam de melhores salários", "o dinheiro não dá mais para se viver", "são uns agitadores. incorrigíveis", "isto não aconteceria se houvesse governo neste país", etc. São justificativas simplistas. Mas não diferem em princípio aquelas elaboradas por muitos pensadores sociais que, embora não repetindo as trivialidades que citamos, têm de comum com elas a natureza superficial das explicações apresentadas para o fato da greve. Neste mesmo gênero se enfileiram, em geral, as que são dadas, ou aceitas, pelos patrões quando se defrontam com o surto grevista.
Vemos, pois, que existem duas classes de explicações do fenômeno da greve: as que o apreendem na superfície, na aparência, na imediaticidade do fato; e as que lhe penetram a essência, e por isso são as únicas a ter valor científico. Caracterizam-se as interpretações ingênuas pela tentativa de estabelecer uma relação causal entre a presente ocorrência da greve e um fato ou
situações precedentes imediatas, tais como insuficiência do salário, provocação de agitadores profissionais, exigência de libertação de um companheiro preso ou maltratado, antipatia dos dirigentes de empresa, etc. O traço geral desta espécie de explicações está em permanecer na superfície dos acontecimentos, e portanto em tomar a greve como fenômeno superficial, ligando-o a outro do mesmo tipo. O antecedente tanto pode ser um fato objetivo, a penúria de recursos, algum incidente pessoal, quanto uma situação psicológica, um estado de espírito, a "má vontade" das massas trabalhadoras ou a excessiva avareza dos proprietários; o que define este modo de apreciar e compreender um dado da realidade é proceder sempre mediante a ligação de um acidente do processo a outro acidente, o que faz da greve simples ocorrência conjuntural, incidente exterior, episódio momentâneo devido a causas também momentâneas. A greve é considerada como "fato do dia", às vezes incômodo para a população, quando a afeta em larga extensão, mas pertence à camada externa da realidade e sua compreensão se esgota na descoberta do fator conjuntural que a provocou.
Tal espécie de explicação é completamente errônea e conduz aos mais graves equívocos e desinteligências. Ignora que a greve só revela sua verdadeira causalidade quando lhe captamos a essência, o que unicamente acontece quando a relacionamos com a natureza do processo total da sociedade onde tem lugar. Significa isto que não, podemos apreciá-la apenas pelo aspecto conjuntural, mas somos obrigados a investigar-lhe o aspecto estrutural. A greve, como fato social, tem, por conseguinte, uma face externa e uma essência interna. Para compreendê-la em sua plena realidade é preciso abarcar os dois aspectos ao mesmo tempo, apreendendo-os na mútua dependência que os liga; consideran-
do-a, por um lado, como episódio imediato, e neste sentido buscando associá-la a um acidente explicativo direto anterior; mas igualmente verificando que essa relação causal superficial só pode existir, e apresentar-se como causa externa do fato, em virtude de condições estruturais profundas. Estas últimas não pertencem mais á categoria do efêmero diário, mas se revelam como constitutivas da presente fase do processo objetivo da realidade. Sendo fase é também transitória, mas as leis segundo as quais se transforma o tipo de causalidade que a condiciona, e a duração que possui, são de outra or-dem, pertencem á dinâmica interna do processo geral da sociedade.
Assim entendida, a greve, pelo aspecto externo, torna-se índice ou "sinal" de uma realidade subjacente, a estrutura do processo vigente no momento na sociedade. É possível como acontecimento porque a realidade é tal como sistema. Eis o que nos parece importante acentuar, pois graças a esta conceituação as greves que todos os dias observamos servirão como valioso indício para compreender a realidade do País e a fase histórica vivida pela sociedade. Somente em determinadas formações sociais podem ocorrer greves. Noutras não, porque, conforme dissemos, a essência da greve se encontra na conversão do "trabalho para outro" em "trabalho para si". Por conseguinte, apenas nas formações sociais onde se verifica a alienação do trabalho, onde os operários não recebem a totalidade dos benefícios da produção social, há condições para se tornar fato social externo, objetivo, a reivindicação do "trabalho para si". Esta não tem sentido nas sociedades nas quais cessou a exploração do trabalhador, em virtude de ter sido extinta a apropriação privada dos resultados da atividade humana. A greve só aparece como agitação de massas dependente de causas imediatas para quem
não vê senão o aspecto externo dos acontecimentos. Sendo, porém, em essência, manifestação da etapa presente do todo do processo nacional, o que nela importa apreciar é a altura em que se encontra a consciência revolucionária das massas, por ela indicada. Enquanto dado da conjuntura, tem sentido relativo e duração provisória, podendo ser resolvida vencida pela brutalidade da repressão policial; mas enquanto resultado da estrutura, só deixará de existir quando essa mesma estrutura for substituída por outra, na qual não seja mais possível, por definição.
Merece particular atenção o aspecto externo, embora secundário, da greve, porque é este o que a consciência ingênua das classes dirigentes considera principal, senão o único dotado de importância. Na sua filosofia de classe alienada e exploradora, a greve constitui delito social. Rompe a ordem estabelecida, e por isso a mentalidade dos magnatas mesmo quando lhe reconheça causas justas, nunca a aceita como natural, acreditando sempre que poderia ser evitada por negociações com as massas trabalhadoras se estas não estivessem envenenadas por idéias subversivas. Mesmo reconhecendo-a teoricamente como direito dos trabalhadores, na prática jamais a admite como normal. A classe dirigente tem espontânea reação repressiva em face de um movimento grevista. Antes de examinar a justiça das reivindicações dos assalariados, sua primeira reação é recorrer ao esmagamento pela violência, às medidas policiais para desarticular os entendimentos entre operários. Só quando o ímpeto do movimento é tal que parece difícil de ser abortado pelas medidas repressivas iniciais, declarando-se como estado de fato a greve pacífica, é que a classe dirigente se resolve a aceitá-la e discuti-la. Os litígios trabalhistas, que uma legislação propositadamente estabelecida para desfibrar a cons-
ciência reivindicatória das massas procura prolongar o mais possível, tendem a se converter em atitude paredista declarada quando não há outro recurso para fazer recuar os exploradores e lhes diminuir o poder. Nada há de comum entre o litígio e a greve. O dissídio coletivo pode servir limitada e taticamente como instrumento de luta de determinada categoria profissional, mas enquanto esta implicitamente aceita as regras do jogo jurídico da classe dominante, admite de antemão participar das Juntas de Conciliação, retira ao dissídio todo significado profundo, e o faz não se confundir com a atitude grevista, cuja essência é outra. Claro está que, apesar disso, e principalmente porque são muitas vezes o prenúncio da greve consecutiva, os dissídios, mormente os que têm por substância exigências de aumento salarial, contribuem para o treinamento de consciência das massas trabalhadoras. São um bom exercício para elas e uma advertência para os grupos patronais . Mas permanecem no quadro da legislação vigente, não se rebelam contra os Códigos em uso, são resolvidos, por tribunais competentes, o que significa, por instituições da própria classe dominante, e por isso não representam nada de verdadeiramente importante do ponto-de-vista da progressão objetiva do processo de transformação social, a não ser a eventual passagem desse estremecimento de relações entre operários e patrões a outra modalidade, qualitativamente diferente, a greve.
Poderia indagar-se o que ganham os operários ao fazer greve, e que resultados realmente obtém o processo nacional em seu avanço inevitável, pela eclosão dessas crises e interrupções no curso da produção. Os ideólogos da classe dominante, inimigos forçosos da greve, mesmo quando dizem que deve ser amparada por conveniente estatuto jurídico, proclamam, como tese ge-
ral, sua nocividade. Não se trata de distinguir, dizem, entre greve justa e injusta; trata-se de avaliar o que de fato adianta para o operariado paralisar o trabalho. E declaram que, feitas as contas, mesmo nos casos de razoável justificativa para a greve, esta acaba sendo sempre prejudicial ao operário donde, valer mais limitar-se a aceitar as resoluções das Juntas de Conciliação sobre dissídios coletivos, ou, então, renunciar de vez à parede e suportar a situação desfavorável, do que deflagrar um movimento que, em última instância, ainda que traga pequenas vitórias à classe, não compensa as agruras, os perigos e as desilusões individuais que causa. Partem do princípio de que a estrutura capitalista vigente é sólida e definitiva. As greves não a poderão derrocar em hipótese alguma. Levarão, talvez, os patrões a certas concessões, que os operários consideram como conquistas suas, mas na verdade são ilusórias vantagens, pois o sistema dominante reage ao abalo e encontra meios de anular as concessões que tem de fazer sob à pressão do clamor grevista. Com a mais cínica coragem declaram os teóricos da alta finança e da grande indústria sua descrença no papel progressista das greves, porque, do seu ponto-de-vista, uma das qualidades do regime que defendem é justamente a capacidade de superar as dificuldades opostas à classe dominante pela rebeldia dos oprimidos, aumentando-lhes a opressão. Como as normas éticas do sistema permitem este procedimento, a greve torna-se realmente inútil, pois conquanto venha a dar aos reclamantes os resultados imediatos exigidos, não conseguirá nunca retirar do sistema a capacidade de reorganizar-se de maneira a anular logo a seguir os benefícios concedidos sob coação. Por isso, a classe operária nada tem a esperar das greves, porque a classe dominante, entre os instrumentos de domínio que maneja, possui aqueles que servem para anular os efeitos,
momentaneamente valiosos para os assalariados, das paralizações do trabalho. Segundo tal teoria toda greve por definição fracassa, porque de duas uma: ou é esmagada pela repressão violenta sobre ela exercida pelo poder público, a polícia, a serviço da classe patronal; ou falha porque os benefícios conquistados pelas massas trabalhadoras são imediatamente anulados pelos patrões, os quais são donos dos meios de produção, manobram o mecanismo de fixação dos preços, aplicam a legislação do salário, valem-se da dispensa dos empregados etc. A greve é, portanto, uma ironia, dizem os sociólogos de aluguel; mais vale o operário suportar a situação, "dar um jeito na vida", procurando cada qual sair individualmente das aperturas em que se acha, do que lançar-se à aventura de um movimento social coletivo, com escassas probabilidades de vitória imediata e votado a inevitável derrota a prazo médio.
Se nestes conceitos se compendia a filosofia dos escribas a serviço das Associações Comerciais e das Federações das Indústrias, não precisamos dizer que bem outra é a compreensão da massa trabalhadora. Seu modo de julgar é exatamente o oposto daquele referido antes. Para o trabalhador a greve não fracassa nunca, mesmo quando é impedida, frustrada pela incompreensão ou traição dos "fura-greves", derrotada pela violência ou apenas parcialmente vitoriosa. Enquanto para o patrão a greve fracassa sempre, para o operário é sempre triunfante. Por que isso se dá? Porque a consciência do trabalhador se determina por uma constelação de conceitos que evidentemente faltam ao empregador. O operário vê no movimento grevista o gesto comprovador da sua qualidade de sujeito humano do trabalho, de sua soberania sobre as forças produtivas e as relações sociais que o envolvem, donde produzir sempre, qualquer que seja o desfecho, um avanço no desenvolvimento da
consciência das massas e um incremento do seu potencial político. Já o patrão, confiante no poderio da estrutura social vigente, não teme esse avanço porque acredita dispôr de recursos ilimitados para fazer frente a ele, conservando em qualquer eventualidade, mesmo mais séria e dramática, o domínio das circunstâncias que lhe asseguram a supremacia social. A greve representa apenas um mal-estar, passageira enfermidade do corpo social, mas sabe que possui os remédios inevitàvelmente eficazes para combatê-la.
Cruzam-se, assim, os pontos-de-vista das classes antagônicas. A dominante acredita que sempre vencerá a greve; a dominada acredita que sempre a greve vencerá. Para uma ela constitui a oportunidade de reafirmar o seu poderio; para a outra o mesmo se dá, apenas com sentido oposto. Os patrões se esforçam por explicar aos operários que nada têm a ganhar com o movimento grevista; estes, ao ouvirem tais preleções, compreendem, em vez disso, que nada têm a perder com ele. Por isso, a greve lhes parece em qualquer caso vantajosa, pois que contam ganhar com ela coisa diferente do que julgam os patrões. Mesmo obscuramente, e sem estas explanações aqui desenvolvidas, a consciência trabalhadora descobre que ao paralisar o trabalho executado a soldo de outros está na verdade visando a duas finalidades: uma, a conquista do objetivo imediato, declarado, que aparece como único motivo ou causa da parede a quem a observa de fora, conforme se dá com o próprio patrão; outra, a modificação estrutural do sistema de trabalho, ou seja, a destruição dos procedimentos espoliativos que geram o fato ou situação superficial de que, na aparência, decorre a greve. Este é o modo de perceber do operário. Para ele a greve significa duas coisas, enquanto para o patrão significa uma só: a exigência imediata da categoria profissional
em questão. Por isso quando esmaga o surto grevista ou lhe satisfaz de ma fé as exigências mínimas, o patrão se considera vitorioso e acredita que o operário nada ganhou. Mas este, como visava a dois fins, mesmo vendo-se frustrado no objetivo superficial imediato, embora vital, nunca deixa de ser vitorioso no objetivo essencial, mediato, profundo: o avanço da sua consciência de classe.
Toda vez que o operário, pela ação paredista, assume momentaneamente o comando do trabalho, esta dando um passo adiante no processo da conquista definitiva desse comando. Claro esta que, nas circunstancias atuais, esse domínio é curto; logo a greve cessa por este ou aquele motivo, e os donos da produção retornam à gerência dos estabelecimentos. Mas a etapa da consciência do trabalhador não é mais, então, a mesma de antes. Fez a experiência da libertação, da possibilidade de passagem do trabalho ao seu exclusivo controle; este fato não apenas o enriquece moralmente, como lhe da a certeza de poder construir, pelo esforço conjunto de todos os trabalhadores, outra estrutura social onde a situação da ausência da espoliação, que transitoriamente experimentou — embora em forma de simples cessação do trabalho — se converta em realidade permanente. Assim sendo, o problema dos resultados a obter com uma greve em planejamento aparece às massas com dupla face. Quanto aos resultados profundos, essenciais, estes existem sempre, a tal ponto que cabe dizer não haver parede derrotada. Quanto, porém, aos resultados superficiais, dependendo das circunstâncias e se a análise cuidadosa destas determinara a conveniência, ou não, de deflagrar o movimento. O desencadear da greve torna-se, assim, uma questão de tática na politica da classe trabalhadora. Sem dúvida, são as considerações desta ordem que assumem
prioridade no julgamento da oportunidade, ou não, do movimento paredista; porque ha sempre custos materiais, desgastes de energias, e até, com triste frequência, sacrifícios de vidas humanas, nas batalhas contra as forças da repressão. Mas, deve sempre ser levado em conta no exame da situação o aspecto essencial, fundamental, o ganho do processo de consciência das massas. Estas considerações explicam porque muitas vezes são iniciadas greves de pouca duração ou de limitadas probabilidades de triunfo. E porque, em tais casos, terá se mostrado mais util obter o lucro representado pelo incremento da consciência popular do que renunciar a ele em vista das perdas eventuais com o inevitável desbarato do movimento nas circunstancias em que é lançado.
Cada vez mais a compreensão dos Iíderes operários, pela praxis de suas lutas, os vai capacitando a efetuar esta análise e a proceder com certeira apreciação nas decisões grevistas que são, forçados a tomar. Não necessitam de hábeis politicos que os guiem, nem de sociólogos que os esclareçam, pois a autêntica sociologia é aquela que neles se vai gerando como ciência do ser social, por efeito da participação na dinâmica do processo objetivo. N&o precisam de uma ciência aprendida de fora, pois a vão adquirindo em seu ser coletivo, como classe, a medida que necessitam compreender a realidade onde se acham, para atuar convenientemente. Explica-se assim porque não existe uma sociologia da greve, com valor autêntico, mas apenas reflexões externas eruditas, partidas de pensadores a serviço da classe que precisamente não faz greve, porque não a pode fazer, os “ricos”, os exploradores do trabalho alheio. O rico não somente é incapaz de fazer greve, como nem consegue sequer saber o que é a greve. De fato não vem a sabê-lo por experiência própria, pois não a faz;
e não pode sabê-lo aprendendo esse conhecimento com outro, porque os únicos mestres que reconhece são os seus serviçais intelectuais, que lhes inculcam toda espécie de teorias e explicações sobre o fenômeno da greve e sobre a estrutura da sociedade em geral, menos as verdadeiras. Porque estas, quem as conhece é a outra classe, a que faz a greve, porém não é aceita pelos poderosos como capaz de lhes ensinar qualquer coisa, muito menos as razões dos fatos que lhes são adversos. Deste modo, é vedada à classe superior culta, o conhecimento da essência da greve, conceito que não pode figurar corretamente em seus manuais de sociologia.
Contudo, não se deve imaginar que os operários tenham a compreensão explicita do gesto que praticam. Este Ihes aparece também como consequência de um estado de coisas injusto ou francamente insuportável, como atitude de desafio e oposição aos patrões. Acreditam que fazem a greve para obter o fim imediato que têm em vista, geralmente melhorias salariais, em razão do incessante crescimento do custo de vida. Não possuindo explicitamente a formulação exata do fenômeno, também o apreciam nas suas elementares explanações, somente na superfície. Por isso, seu natural movimento de vontade é recorrer à greve todas as vezes que sentem necessidade de desafogar um pouco a condição econômica, mesmo sabendo serem aleatórias as vantagens visadas. No entanto, mesmo na ausência de clara percepção do significado essencial da greve, que não podem evidentemente enunciar, no estado de cultura onde se acham, a consciência das massas trabalhadoras progride pelo exercício da rebeldia paredista, e obscuramente se vai configurando em novos pronunciamentos, os quais, se por ora não chegam a ser reveladores da correta compreensão do processo, indicam progressiva aproximação a esse resultado. Claro está que o operá-
rio não sabe, nos termos por nós expostos, que ao fazer greve está convertendo em trabalho para si o trabalho que deixa de fazer. Mas a praxis do gesto grevista ilumina-Ihe a consciência de classe e o encaminha a uma nova compreensão da sua realidade, que, pelo sentido revolucionário que possui, o levará a promover for mas sociais onde a forca de trabalho não mais sera vendida a um comprador particular. A ausência de teoria explicita nada prova quanto à existência e veracidade de uma compreensão da greve implicada na prática dos atos grevistas. Demonstra apenas que as massas ainda não produziram os pensadores que, saídos delas ou a elas ligados por identificação ideológica, tivessem desenvolvido e fixado por escrito a correta teoria da greve, valendo-se de conhecimentos que, na maioria, decorrem de formação filosófica geral.
Enquanto a greve for considerada como simples cessação de atividade, fuga, omissão, recusa, sua explicação se encontrara na teoria do trabalho, que apenas leva em conta a perspectiva econômica ou mesmo financeira, em que este pode ser encarado. Na verdade, porém, exige-se a posse da autêntica filosofia do trabalho, aquela que tem fundo e forma filosófica, pois em última instância consiste em explicá-lo como manifestação da existência humana, como origem dos direitos do homem à plena humanização da vida, para, em consequência, se construir a legitima concepção da greve. Esta não consiste na suspensão do trabalho mas na continuação dele sob outra forma, aquela que suprime a alienação do ato criador dos bens materiais e culturais. Não possuindo nem aceitando o correto conhecimento da causa real das greves, só resta à classe dominante usar de meios impróprios e ineficazes para debela-las. Como não vem no caso outra coisa senão a exigência imediata das massas, ou cede, maquinando desde logo os
meios de se recuperar dos prejuízos recebidos; ou lança mão da força bruta para esmagar a rebelião paredista. De uma maneira ou de outra não consegue sendo estimular a consciência popular, e fazê-la aproximar-se das formas superiores de apropriação do trabalho, já não mais com caráter transitório de greve, mas de real revolução.
A este propósito convém examinar a relação entre estes dois acontecimentos. De que maneira as greves podem ser entendidas como prelúdio revolucionário, e até que ponto pela frequência e extensão com que ocorrem poderão conduzir à transformação geral e profunda das estruturas sociais, são questões que vale a pena discutir. Não há, quanto à essência, distinção real entre greve e revolução social. O que caracteriza a ambas é o mesmo objetivo de alterar as relações de produção
existentes, a fim de pdr térmo 4 alienacao do trabalho
humano, ou seja, de instaurar o regime do universal
“trabalho para’si”. A diferenga entre elas situa-se ape-
nas nos aspectos exteriores. Enquanto a greve é uma
revolucio de curta duracio, e em forma, meramente
negativa, de parada do trabalho, a revolugao é a greve
definitiva, sob forma positiva de exercicio do trabalho
livre, desalienado, “para si”.
Se a greve prenuncia a revolugio e exercita as mas-
sas para fazé-la, nao se deve admitir, contudo, a passa-
gem espontinea, mecinica, de uma situagdo a outra.
Nem mesmo a repeticio constante dos surtos grevistas
indica necessariamente a iminéncia de desfecho revolu-
ciondrio das tenses sociais, mas apenas a existéncia
das condicdes fundamentais, que explicam uns e o outro,
ese resumem na alienago do trabalho humano inevitd-
vel no regime atual. Para que as greves, pela repeticao,
signifiquem que as massas se aproximam do surto revo-
luciondrio, é necessdrio que se esteja verificando, na
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