Ciência e pseudo-ciências
Popper estabeleceu alguns critérios para o que é científico.
Afirmativas científicas, diz ele, devem ser falseáveis. Devem ser algo que permite inserir uma "cunha" experimental capaz de corroborar a teoria científica em algumas de suas previsões ou então refutá-las. E mesmo a refutação não tem um caráter absoluto e teorias refutadas ainda podem ser boas aproximações da realidade, como é o caso da teoria de Newton na Física.
Embora o "fato" experimental confirme algumas previsões escolhidas elas são apenas pontos específicos de uma miríade infinita de possibilidades. Logo os experimentação nunca avança o objetivo de corroborar uma teoria científica de forma absoluta. São sempre corroborações provisórias e refutações permanentes (que podem ter vários graus incidindo na prática). Se pensarmos que a teoria é uma reta ou curva da Geometria os pontos encima da reta ou curva são as corroborações. Os pontos fora da curva ou reta são as refutações. Embora as refutações tenham um caráter lógico absoluto são ao mesmo tempo relativas e essa relatividade medida pela distância à curva ou reta "teórica". Se a reta, por exemplo, representar a teoria newtoniana uma curva que tenda assintoticamente para essa reta poderia representar a teoria da gravitação de Einstein (ou Relatividade Geral). Na região de proximidade assintótica a Navalha de Occam indicaria que deveria haver um preferência pela teoria Newtoniana, mais simples e válida para construir edificações e lançar foguetes que naveguem a velocidades bem abaixo da velocidade da luz, embora inadequada para ajustar os relógios e a sincronia do sistema GPS diante da dilatação do tempo no campo gravitacional da Terra.
Notamos logo que o campo experimental, mais próximo do que é prático adotar, estabelece uma régua com um rigor diferente do que é adequado para o campo da elaboração teórica. Além de ser uma ferramenta para testar a teoria a experimentação cumpre também um outro papel. A reprodutibilidade, que está ligada à falseabilidade, implica que a descrição de um experimento deve poder levar à uma repetição do experimento bem como dos mesmos resultados. Essa reprodutibilidade também está na raiz da possibilidade de uma introdução tecnológica na vida prática. E normalmente procura-se também experimentos mais simples e estáveis vocacionados para facilitar as aplicações. O celular, por exemplo, só para falar de uma aplicação tecnológica popular, nas suas várias capacidades, depende de escolhas por eventos estáveis e capazes de serem repetidos com precisão e exatidão oriundos de deduções feitas à partir de experimentos constatados nas várias teorias envolvidas na sua construção e operação.
Mas então só seriam científicas as teorias da Física? Ou da Química nos seus aspectos menos afastados da teoria dos átomos e das moléculas. E a Biologia no que não se presta à reprodução em laboratório, por exemplo, na Teoria da Evolução? Estariam fadadas ao ostracismo? Seriam então pseudo-ciências? O vídeo em Psicanálise é ciência? Reflexões sobre a natureza filosófica da questão toca no assunto enfatizando na discussão da psicanálise. Ernst Mayr, em seu livro "Biologia - Ciência única" também fala sobre se a Biologia poder reivindicar o estatuto de ciência mesmo sem cumprir as características impostas às pesquisas em Física. Eis um trecho:
"A biologia é uma ciência; tal proposição não se discute — ou será que sim? Dúvidas quanto a essa afirmação têm sido suscitadas por diferenças importantes entre várias definições de ciência de larga aceitação. Uma definição abrangente e pragmática de ciência poderia ser:
“Ciência é o esforço humano para alcançar um entendimento melhor do mundo por observação, comparação, experimentação, análise, síntese e conceitualização”. Outra definição poderia ser:
“Ciência é um corpo de fatos (‘conhecimento’) e os conceitos que permitem explicar esses fatos” — e existem inúmeras outras definições. Num livro recente (Mayr, 1997: 24-44: "Isto é Biologia") dediquei um capítulo de vinte páginas a discutir a questão “O que é ciência?”.As dificuldades surgem porque o termo “ciência” também tem sido empregado para muitas outras atividades humanas, além das ciências naturais, tais como as ciências sociais, ciência política, ciência militar e domínios ainda mais distantes, como ciência marxista, ciência ocidental, ciência feminista e até Ciência Cristã e Ciência Criacionista. Em todas essas combinações, a palavra “ciência” é empregada em sentido enganadoramente inclusivo. Da mesma forma enganador, porém, é o “extremo oposto, a decisão de alguns físicos e filósofos fisicalistas de restringir a palavra “ciência” à física fundada na matemática. Uma vasta literatura mostra como parece difícil, se não impossível, traçar uma linha entre ciência incontroversa e campos adjacentes. Tal diversidade é uma herança histórica.”.
Chalmers, em seu "O que é ciência afinal?" logo na introdução diz:
"“A alta estima pela ciência não está restrita à vida cotidiana e à mídia popular. É evidente no mundo escolar e acadêmico e em todas as partes da indústria do conhecimento. Muitas áreas de estudo são descritas como ciências por seus defensores, presumivelmente num esforço para demonstrar que os métodos usados são tão firmemente embasados e tão potencialmente frutíferos quanto os de uma ciência tradicional como a física. Ciência Política e Ciências Sociais são agora lugares-comuns. Os marxistas tendem a insistir que o materialismo histórico é uma ciência. De acréscimo, Ciência Bibliotecária, Ciência Administrativa, Ciência do Discurso, Ciência Florestal, Ciência de Laticínios, Ciência de Carne e Animais, e mesmo Ciência Mortuária são hoje ou estiveram sendo recentemente ensinadas em colégios ou universidades americanas. Auto-intitulados “cientistas” nesses campos podem frequentemente ver a si mesmos seguindo o método empírico da física, o que para eles consiste na coleta de dados por meio de cuidadosa observação e experimentos e da subsequente derivação de leis e teorias a partir desses dados por algum tipo de procedimento lógico. Fui recentemente informado por um colega do departamento de história, que aparentemente tinha absorvido esse rótulo de empiricismo, de que não é possível hoje escrever uma história da Austrália porque ainda não dispomos de um número suficiente de dados. Uma inscrição na fachada do Social Science Research Building na Universidade de Chicago diz: “Se você não pode mensurar, seu conhecimento é escasso e insatisfatório”. Sem dúvida, muitos de seus habitantes, aprisionados em modernos laboratórios, esquadrinham o mundo através das barras de aço de seus algarismos, não conseguindo perceber que o método que se empenham em seguir não é apenas estéril e infrutífero, mas também não é o método ao qual deve ser atribuído o sucesso da física.
A visão equivocada de ciência referida acima será discutida e demolida nos primeiros capítulos deste livro. Malgrado alguns cientistas e muitos pseudocientistas alegarem fidelidade a esse método, nenhum moderno filósofo da ciência estaria alheio pelo menos a algumas de suas deficiências.”
Os desenvolvimentos modernos na filosofia da ciência têm apontado com precisão e enfatizado profundas dificuldades associadas à ideia de que a ciência repousa sobre um fundamento seguro adquirido através de observação e experimento e com a ideia de que há algum tipo de procedimento de inferência que nos possibilita derivar teorias científicas de modo confiável de uma tal base. Simplesmente não existe método que possibilite às teorias científicas serem provadas verdadeiras ou mesmo provavelmente verdadeiras. Mais adiante neste livro, vou demonstrar que tentativas de fornecer uma reconstrução simples e diretamente lógica do “método científico” encontram dificuldades ulteriores quando se percebe que tampouco há método que possibilite que teorias científicas sejam conclusivamente desaprovadas.
Alguns dos argumentos para defender a afirmação de que teorias científicas não podem ser conclusivamente provadas ou desaprovadas se baseiam amplamente em considerações filosóficas e lógicas. Outros são baseados em uma análise detalhada da história da ciência e das modernas teorias científicas. Tem sido uma característica do desenvolvimento moderno nas teorias do método científico que uma atenção crescente venha sendo prestada à história da ciência. Um dos resultados embaraçosos para muitos “filósofos da ciência é que esses episódios na história da ciência – comumente vistos como mais característicos de avanços importantes, quer as inovações de Galileu, Newton e Darwin, quer as de Einstein – não se realizaram através de nada semelhante aos métodos tipicamente descritos pelos filósofos.
Uma reação à percepção de que teorias científicas não podem ser conclusivamente provadas ou desaprovadas e de que as reconstruções dos filósofos guardam pouca semelhança com o que realmente ocorre na ciência é desistir de uma vez da ideia de que a ciência é uma atividade racional, que opera de acordo com algum método ou métodos especiais. Foi uma reação semelhante a essa que levou o filósofo e animador Paul Feyerabend a escrever um livro com o título Contra o Método: Delineamento de uma Teoria Anarquista do Conhecimento e um ensaio com o título “Filosofia da Ciência: Um tema com um Grande Passado”. De acordo com a visão mais extremada dos escritos de Feyerabend, a ciência não tem características especiais que a tornem intrinsecamente superior a outros ramos do conhecimento tais como mitos antigos ou vodu. A ciência deve parte de sua alta estima ao fato de ser vista como a religião moderna, desempenhando um papel similar ao que desempenhou o cristianismo na Europa em eras antigas. E sugerido que a escolha entre teorias se reduz a opções determinadas por valores subjetivos e desejos dos indivíduos. Neste livro resistiu-se a esse tipo de resposta para quebrar as teorias tradicionais da ciência. Foi feita uma tentativa de dar conta da física que não é subjetivista ou individualista, que aceita muito do impulso da crítica do método de Feyerabend, mas que é, ela mesma, imune a tal crítica.
Vemos então que muito da discussão sobre o que é pseudo-ciência, no sentido pejorativo mesmo, é pouco profunda e que a dicotomia pseudo-ciência versus ciência pode encobrir outros interesses nada filosóficos ou visando proteger a humanidade contra os vendedores de "óleo de cobra". Muito "snake oil", assim, pode ser "vendido" sob a capa do "científico".