A invenção de Deus é mais niilista do que a sua morte - Afirmar-se com Nietzsche
Podemos, no entanto, nos perguntar como a mera perda de uma crença, que, além do mais, se revelou mentirosa, pôde tornar a vida insuportável. Como se explica que tenhamos necessidade de uma mentira para viver? E se o problema fosse muito mais profundo do que queríamos acreditar? Será verdade que ao deixarmos de acreditar em Deus nos tornamos niilistas, perdemos o propósito e os valores da vida? Ao contrário, não teríamos antes necessidade de acreditar em Deus porque já éramos niilistas, porque já não encontrávamos nem propósito nem valores na vida?
Eis a intuição fundamental, propriamente genial, de Nietzsche: o niilismo não começa com a morte de Deus, mas com o próprio nascimento de Deus. O niilismo não é tanto a queda dos valores supremos quanto a necessidade inicial de os erigir, não é tanto o fato de deixar de acreditar quanto a necessidade de acreditar. Não estamos doentes porque já não tomamos nosso remédio, mas porque tivemos, em primeiro lugar, a necessidade de um tal remédio – ineficaz e talvez até mesmo tóxico. A morte de Deus não é, portanto, a causa, mas a consequência do niilismo. Nietzsche escreve:
“A provar: que a maneira de pensar niilista é a consequência da crença nos valores morais e sacerdotais: quando o valor foi colocado de maneira errônea, o mundo parece desvalorizado sempre que essa falsidade está compreendida” (Fragmento póstumo de 1888, 22 [3]).”
Vê-se bem aqui o erro de ótica desse niilismo secundário – a morte de Deus – em relação ao niilismo primário – o nascimento do Deus cristão: confundimos a desvalorização dos valores cristãos com a desvalorização da própria vida. Não é porque os valores cristãos se revelaram falsos que a vida mesma já não tem valor.
ebook MOC Afirmar-se com Nietzsche, Balthasar Thomass