A doença, o melhor remédio contra o pessimismo - Afirmar-se com Nietzsche

Em certo sentido, é a doença que nos cura da doença. O desgosto dos homens e da vida, e a insatisfação crônica são um luxo que só nos permitimos quando estamos saudáveis. Perante o sofrimento, seria uma capitulação contra a qual o nosso orgulho se empina. O pessimismo é legítimo enquanto desafio, jogo psicológico, coragem intelectual ou como um duelo revigorante com a escuridão da realidade. Mas é inaceitável se for apenas uma mera consequência do sofrimento. Nós seríamos, então, seres sem alma, sem vontade, sem instintos, que repercutiriam mecanicamente no pensamento tudo quanto o seu corpo sofresse. No zênite dos seus tormentos, Nietzsche exclama: “Não é porque sofremos que temos direito ao pessimismo!” E ele prescreve uma cura do “otimismo, com o propósito do restabelecimento, para um dia ter de novo a permissão para ser pessimista"[^2].

O convalescente se vê, portanto, investido de uma nova vitalidade: uma alegria traquinas, um otimismo de meias-tintas que é também um pessimismo alegre. É porque já passamos pelo pior que podemos apreciar o melhor. É porque já passamos pelo peso do sofrimento que podemos nos dar ao luxo da leveza. A doença nos aprofundou. Sua travessia é nada menos que um novo nascimento.

“[...] Voltamos regenerados de tais abismos, de um tão duro definhamento da pesada suspeita, tendo feito pele nova, mais suscetíveis, mais maldosos, com um gosto mais fino para a alegria, com uma língua mais delicada para todas as coisas boas, com sentidos mais alegres, com uma segunda e mais perigosa inocência na alegria, ao mesmo tempo mais infantis e cem vezes mais refinados do que nunca havíamos sido antes” (A gaia ciência. Prefácio, 4).”


ebook MOC Afirmar-se com Nietzsche, Balthasar Thomass

Published MOC