Hated in the Nation
author:: chicoary
source:: Hated in the Nation
clipped:: 2023-12-14
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A tecnologia e suas distópicas consequências já povoaram muitos contos terror de ficção científica. No post Os sonhos da razão técnica, influenciado por uma palestra de Jean-Pierre Dupuy, usei a imagem:
“A possibilidade de criação de microorganismos que não evoluiriam mais mas que, como uma mancha avassaladora, fosse substituindo a vida biológica por uma “vida artificial” estagnada, daria, no final, um “brilho metálico” à Terra.”
Talvez inspirada na destruição por nanobots no filme “Eu, robô”, baseado em conto de Asimov, de um computador malévolo, surgiu a metáfora citada acima. Ao construirmos pequenos robots que agem em grupo, e podem ser em grande número, para que eles cumpram determinadas tarefas devem, quase que obrigatoriamente, ter algum comportamento autônomo. A inteligência “emergente” pode ser muito mais difícil de prever e controlar do que nos casos em que é centralizada.
Leve spoil abaixo.
No filme Hated in the Nation, da série Black Mirror, uma referência de Dupuy, René Girard, e sua teoria mimética sobre a violência pode iluminar também o nosso comportamento embutido no “Jogo das consequências”.
Girard compreende o ser humano como uma criatura que não sabe o que desejar e dessa forma se vira para modelos na tentativa de preencher sua mente, imitando o que os outros desejam. O desejo mimético é constitutivo da natureza humana; é o desejo de ter o bem do outro que Girard encontrou como constante antropológica embasando suas conclusões em exegeses de textos das mais variadas culturas. A tese do antropólogo é simples, mas com conseqüências perturbadoras. Primeiro, não somos auto-suficientes ou indivíduos plenos como a modernidade nos ensinou. Segundo, invejamos ou admiramos modelos para nos guiar nos corredores da vida, contudo quando invejamos um objeto, pessoa ou idéia que outros detêm ou também invejam engendramos conflitos que podem irromper num sacrifício, seja ele com a eliminação física como Caim fez com Abel, seja ele por meio de um sacrifício simbólico, colocando um colega de profissão no ostracismo ou por meio do assédio moral e psicológico, por exemplo, fenômenos tão típicos de nossa sociedade.
Mas o que é o cerne do terror são criaturas artificiais bem pequenas criadas para sanar as consequências de estarmos em pleno “antropoceno”. No livro de Elizabeth Kolbert é citado como o termo “antropoceno” foi cunhado e o que significa:
“Crutzen escreveu sua ideia num breve ensaio, “Geologia da espécie humana”, publicado pela revista Nature. “Parece apropriado atribuir o termo ‘Antropoceno’ ao presente, uma época geológica de muitas formas dominada pelo homem”, observou. Entre as várias mudanças de escala geológica efetuadas pelo homem, Crutzen citou as seguintes:
- A atividade humana transformou algo entre um terço e a metade da superfície terrestre do planeta.
- A maior parte dos principais rios foi represada ou desviada.
- As fábricas de fertilizantes produzem mais nitrogênio do que é gerado naturalmente por todos os ecossistemas terrestres.
- A atividade pesqueira retira mais de um terço da produção primária das águas litorâneas dos oceanos.
- Os seres humanos utilizam mais da metade do escoamento de água doce de fácil acesso.
Elizabeth Kolbert
in A sexta extinção: Uma história não natural
E hoje em dia fica cada vez mais flagrante que o Estado deseja vigiar a todos. E isto aparece no episódio (“Tudo bem, o governo é uma merda. Todos sabemos disso.”). E o Estado justifica a vigilância pelo desejo “natural” de todos por segurança. Mas parece que um desejo de segurança contra os abusos do Estado está cada vez mais emergindo, apesar da propaganda sobre o “terrorismo”.