Fundamentalismos em choque
author:: chicoary
source:: Fundamentalismos em choque
clipped:: 2023-09-22
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Interessei-me pelo assunto Osho após ver o vídeo OSHO: Strange Consequences | Spiritually Incorrect. Já tinha visto livros dele em livrarias mas nunca passei da capa.
À medida que assistia a série Wild Wild Country fui mudando de opinião. Inicialmente os indianos pareciam simpáticos e os locais muito conservadores. Depois os indianos pareciam desleais. Resolvi ler o artigo 25 years after Rajneeshee commune collapsed, truth spills out e vi muitas acusações.
A certa altura da trajetória da seita os sem-teto viraram um problema para os oshos. Eram como “serpentes” contratadas para exterminar ratos quando os ratos acabaram. O sem-teto viraram um incômodo e procuraram livrar-se deles sem dó nem piedade. A jogada com os sem-teto foi uma das coisas mais nojentas que se pode testemunhar. Neste momento se equipararam ao establishment do fundamentalismo cristão hipócrita que mantém os sem-teto e os despossuídos da América numa eterna condição de exclusão. Além de para eles serem de difícil assimilação os “ensinamentos” dos hindus dos oshos aos quais é mais afeita uma classe média “educada”. E endinheirada mas num desnorteamento e tédio niilista apelidado de carência “espiritual”.
Vendo a série ficava me lembrando do Kalki de Gore Vidal. Uma destruição do mundo para uma recriação, um novo fundamento, é o cerne de todo fundamentalismo, como o nome já o diz. Um reinterpretação do mito de Shiva, no caso dos indianos. Uma interpretação pobre.
O artigo Wild Wild Country: Where Are They Now? procurar dar conta de onde estão os personagens da saga.
Dois fundamentalismos se enfrentam. Zizek, em Violência, fala da melhor tolerância do ateus e mostrando que as religiões são violentas e excludentes. Como aconteceu com os oshos versus os cristãos fundamentalistas do Oregon.
Há mais de um século, em seu Os irmãos Karamazov, Dostoiévski alertava para os perigos de um niilismo moral sem deus: “Se Deus não existe, tudo é permitido”. O “novo filósofo” francês André Glucksmann aplicou a crítica do niilismo sem deus de Dostoievski ao 11 de Setembro, conforme sugere o título do seu livro: Dostoievski em Manhattan. O erro não podia ser maior. A lição do terrorismo atual é que se há Deus, tudo, até mesmo alvejar centenas de transeuntes inocentes, é permitido aos que afirmam agir diretamente em Seu nome, como instrumentos da Sua vontade, uma vez que, manifestamente, a relação direta com Deus justifica que violemos quaisquer obrigações e considerações “meramente humanas”.
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A fórmula da suspensão religiosa fundamentalista da ética foi avançada por Agostinho, que escrevia: “Ama a Deus e faz o que bem entendas”. Alternativamente, a fórmula pode converter-se em “Ama e faz o que quiseres”, uma vez que, na perspectiva cristã, ambas as fórmulas são, em última instância, a mesma. Deus, afinal de contas, é amor. A questão é, evidentemente, que, se realmente amarmos Deus, devemos querer o que ele quer – o que lhe for agradável, nos será agradável, e o que lhe desagradar nos fará sentir desgraçados. Por isso, não podemos fazer o que quisermos sem mais: o nosso amor por Deus, se for verdadeiro, garantirá que, em nosso querer, seguiremos os critérios éticos mais elevados. É até certo ponto como a anedota proverbial: “Minha namorada nunca chega atrasada a um encontro porque, quando se atrasa, deixa de ser minha namorada”. Se amarmos Deus, podemos fazer o que quisermos, porque quando fazemos alguma coisa má, isso é por si só a prova de que realmente não amamos Deus… Todavia, a ambiguidade persiste, uma vez que não há garantia, exterior à nossa fé, quanto àquilo que Deus quer realmente que façamos. Na ausência de quaisquer critérios éticos exteriores ao nosso amor a Deus, rondará sempre o perigo de usarmos esse amor a Deus como legitimação dos atos mais atrozes.
Yves Le Breton narrou como, durante a cruzada do rei São Luís, encontrou certa vez uma velha senhora que vagueava pela rua com um prato pegando fogo na mão direita e uma tigela cheia de água na esquerda. Quando lhe perguntaram o que estava fazendo, respondeu que com o fogo ela incendiaria o Paraíso até que dele nada restasse, e que com a água apagaria o fogo do Inferno até nada dele tampouco restar: “Porque não quero que ninguém faça o bem para receber a recompensa do Paraíso nem por medo do Inferno, mas que o faça tão somente por amor a Deus”[19]. Tudo o que há a acrescentar aqui é a seguinte pergunta: então, por que não deixar de lado o próprio Deus, fazendo o bem só pelo amor ao bem? Não é de admirar que hoje essa postura ética eminentemente cristã sobreviva sobretudo no ateísmo.
Os fundamentalistas fazem (o que percebem como) boas ações a fim de cumprirem a vontade de Deus e de merecerem a salvação; os ateus fazem-nas simplesmente porque é a coisa certa a ser feita. Não seria esta a nossa mais elementar experiência de moralidade? Quando faço uma boa ação, não é porque desejo conquistar o favor de Deus, mas porque não poderia fazer diferente – se não a fizesse, não seria capaz de me olhar no espelho. Uma ação moral é por definição a sua própria recompensa. O filósofo e economista do século xviii David Hume, que era crente, defendeu essa posição de modo particularmente penetrante ao escrever que a única maneira de mostrarmos um verdadeiro respeito por Deus é agirmos moralmente enquanto ignoramos sua existência.
A história do ateísmo europeu, desde suas origens gregas e romanas no De rerum natura de Lucrécio aos clássicos da Idade Moderna como Espinosa, oferece uma lição de dignidade e coragem. Muito mais do que por ocasionais explosões de hedonismo, é uma história marcada pela consciência do desfecho amargo de toda a vida humana, uma vez que não existe uma autoridade superior que vele sobre os nossos destinos e garanta um feliz desenlace. Ao mesmo tempo, os ateus se esforçam para formular uma mensagem de alegria que não procede da fuga da realidade, mas da aceitação e da criatividade que nela encontram seu lugar. O que torna única essa tradição materialista é o modo como combina a humilde consciência de que não somos senhores do universo, mas simples partes de um todo muito mais vasto exposto às voltas contingentes da sorte, com a disposição a aceitar o pesado fardo da responsabilidade pelo que fazemos de nossas vidas. Com a ameaça de uma catástrofe imprevisível rondando por todos os lados, não seria uma atitude como esta que, mais do que nunca, nosso tempo requer de nós?
Slavoj Žižek. “Violência.”
No artigo DEUS ESTÁ MORTO – OU SIMPLESMENTE DESAPAREU EM COMBATE? Osho parece querer se apropriar do nicho do “altar vazio” deixado pela morte de Deus, anunciada por Nietzsche. Nietzsche combateu o cristianismo de São Paulo (ou pós-São Paulo). Nietzsche declarou que o evangelho morreu na cruz. Significando que após São Paulo o cristianismo se tornou romano. Giacoia distingue cristianismo de cristianicidade (Ver O papa Pedro). Já sobre o budismo, trazido para o ocidente por Shopenhauer, professor de Nietzsche, a frase “A diferença fundamental entre as duas religiões da decadência: o budismo não promete, mas assegura. O cristianismo promete tudo, mas não cumpre nada.” caracteriza o que Nietzsche pensava sobre estas duas correntes da decadência. E dizia mais: ““O budismo é uma religião para homens tardios, para raças bondosas, suaves, que se tornaram superespirituais, que sentem dor com muita facilidade (ainda falta muito para que a Europa esteja madura para ele) […] o budismo é uma religião para o fim e para o cansaço da civilização” – Nietzsche, O Anticristo.
Osho, com seus milhares de seguidores, dezenas de Rolls Royces, violou um dito de Zaratustra, que pedia que não o seguissem significando que ninguém devia ser seguido. Este é o aparente paradoxo do Zaratustra. Parece um koan zen budista. Nem Zaratustra deve ser seguido. Nietzsche estava dizendo que mesmo a sua perspectiva era sujeita ao devir.
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