Er ist wieder da (Ele está de volta)
author:: chicoary
source:: Er ist wieder da (Ele está de volta)
clipped:: 2022-12-29
published:: julho 6, 2016
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No filme A sombra do vampiro um ator encarna o personagem de tal forma que paira a dúvida. Não se pode acreditar que é um vampiro e ao mesmo tempo acreditar que vampiros não existem.
Hitler não existe mais. Morreu em seu bunker. Mas vive em cada facista obrigado a se esconder sob a máscara de um democrata. No filme “Ele está de volta“, baseado no livro de Timur Vermes, Hitler é visto como um ator histriônico. É confundido com os personagens de atores que o encarnaram. A comédia suplanta a tragédia. E é mais séria do que ela. Antes foram os judeus. Agora temos os árabes e os imigrantes em geral no processo de colonização reversa da Europa. Hitler ainda tem material para compor a sua sinfonia macabra. Para construir o seu “piano”. E tocar e manipular as teclas que representam o povo. Seu volks. Inclusive as teclas pretas, como afirma no filme. E a TV é sua grande arma de “propaganda”. Vendo a TV vomitando “lixo” Hitler, no filme, vê uma grande oportunidade. Parece visionário mas é apenas uma constatação. Uma vidência do passado.
O século XXI recepciona o fascismo de braços abertos. Não como uma piada macabra. Não como um farsa. Seriamente. No Brasil testemunhamos seu espectro. A TV, citada no filme já vomita seu lixo fascista diuturnamente, e não é no mundo da ficção. A Europa acuada se refugia dos refugiados que ela mesma engendrou com seu colonialismo que abandonou carcaças para trás. Os EEUU ressuscitará a sua invenção. A eugenia. A maré geopolítica, abraçada com o que há de mais negro das entranhas do século XX, o totalitarismo, quer tragar tudo para o bem dos novos estados: as irmãs do ouro negro.
A violência contida extravasa, de modo preocupante, durante a filmagem, conforme a citação abaixo:
Uma mulher confessa a Hitler que todos os problemas da Alemanha estão com a chegada de estrangeiros. Outro homem diz que a chegada de imigrantes africanos está rebaixando o QI do alemão em 20%. E em uma cena particularmente preocupante, Hitler facilmente convence um grupo de torcedores de futebol a atacar um ator que fazia comentários anti-alemães. Para o diretor, a produção não esperava que o Hitler de Masucci convencesse tão rapidamente aquele grupo, colocando em risco a vida do ator e obrigando técnicos e câmeras intervirem imediatamente.
Em “Ele Está de Volta” o século XXI recebe Hitler de braços abertos
[Atualização] Li também o livro. Acho que este é, talvez, um caso raro de que o filme supera o livro. No livro você é levado bastante para dentro da cabeça do Hitler “ressucitado”. Mas no filme, embora haja disto também, o visual expõe melhor o nazismo como uma peça de “propaganda” que ele é. Eles inventaram isto. E estamos acostumados com isto. É o seu maior legado. E com isso não o estranhamos devidamente como deveríamos.
[Atualização] Lendo o livro Auto-engano do Giannetti descobri que Goebbels é o autor da metáfora do “povo-piano”:
Considere, por exemplo, o labirinto de enganos daquela que foi talvez a mais tenebrosa experiência coletiva até hoje vivida por uma comunidade humana — o nazismo alemão. Enquanto Hitler confidenciava a um colaborador íntimo o seu “especial prazer secreto de ver como as pessoas ao nosso redor não conseguem perceber o que está realmente acontecendo a elas”, o mefistofélico Goebbels, ministro da Cultura do Reich, jactava-se de dedilhar na psique do povo alemão “como num piano”.
Auto-engano, Giannetti
E mais adiante, no mesmo livro, Giannetti fala da composição parcelar que engendra o movimentos das massas em apoio aos delírios totalitários salvacionistas:
O todo pode ser igual, maior ou menor que a soma das partes; mas ele é inconcebível sem elas. O coletivo não existe por si: ele é a resultante agregada — muitas vezes com propriedades novas — da interação entre um grande número de grupos menores e indivíduos. O auto-engano coletivo de grandes proporções, como a Inquisição ibérica, o nazismo e o comunismo soviético, é a síntese de uma miríade de auto-enganos individuais sincronizados entre si. O delírio do todo é o resultado da confluência dos delírios das partes. É no microcosmo do indivíduo que encontramos o berço e o locus do repertório do auto-engano em sua espantosa diversidade.
Auto-engano, Giannetti
Links relacionados:
- Crítica | Ele está de volta, Luiz Santiago
Spoiler a seguir:
44:14
Mais para o final da metade do filme, quando o “descobridor” do Hitler já anda meio desconfiado de que ele é mesmo o verdadeiro, ocorre uma cena interessante e sutil. Hitler está contemplando a “natureza”, em acordo com o mito nazista da natureza, com um copo de plástico na mão de onde tinha acabado de consumir o conteúdo. Neste momento é observado atentamente pelo seu agente descobridor. De repente se vira, abandonando a sua contemplação, lançando o copo ao chão sem a mínima preocupação. Gesto impensável em nossos tempos “ecologicamente corretos”. Uma comprovação flagrante de que ele não era do nosso tempo.
01:39:34
Há também uma cena em que ele está no hospital após ter apanhado de uns neonazistas. Hitler acorda no hospital e…quebrado como está na sua cama tem que verbalizar uma “risada” que foi mal interpretada pela sua chefe no programa de TV, que achou que reclamava da dor. Mas não! Alegrava-se por ter despertado a fúria dos neonazistas. Mesmo que seja através de um equívoco de pensá-lo como um imitador tão fidedigno que beirava, segundo eles, à calúnia.
Podemos traçar um paralelo ao imaginar que Bolsonaro poderia ter se alegrado também com a facada e que sua suspeita manifestação de dor era na verdade uma risada…
E não foi por falta de aviso que estamos nos enveredando no pesadelo neofascista da atualidade novamente. Com ares farsescos da sua segunda vez na História…
O filme ainda pode ser visto na plataforma Stremio. O livro (link para a capa) pode ser obtido no Café com Cultura (convite) em vários formatos.