A marcha dos sem teto

author:: chicoary
source:: A marcha dos sem teto
clipped:: 2023-10-03
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Meu primo fazia um barulho infernal entrando em minha casa. Quase chamei o ladrão após acordar com o alvoroço.

– Vamos, vamos! Ver a marcha dos sem teto.

Fui ao jardim, confuso e sonado. Um sol amarelo desenhava-se numa folha qualquer com reflexos dourados. Ele seguiu até o quintal (meu jardim era no quintal). Queria me levar num passeio aéreo. Para ver a passeata ou carreata, sei lá. Eu, que detesto multidões, pensei: “Eu vou chamar o síndico.” Quis chamar o sindico Tim. Mas ele não quis vir com a gente.

Ele queria me levar, o meu primo, para ver a passeata no gramado da esplanada dos três poderes, em Brasília, agora do poder único.

Estranhei esse primo querer me levar para ver o MST, já que era pobre. Cê sabe né, pobre é de direita.

– Mas é muito longe, eu disse.

– Vamos voando, ele responde. De helicóptero.

– Não, me apavorei. E se estiver ventando muito?

– Vamos de balão, então.

– E se chover?

– O balão nos protegerá.

Tomamos um trem azul até a estação e de repente já estávamos no balão. Que subia por sobre um enorme castelo. Ultrapassou majestosamente as torres pontiagudas mais altas do castelo e, por sobre as ameias de um enorme páteo, no alto, terminando, enfim, por planar sobre a esplanada.

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Olhei para o balão, enorme, todo amarelo, com uma forma que achei estranha.

– Era para ser de gás. Um balão de gás. Mas está caro agora. Então é de ar quente.

Aí as coisas foram ficando extremamente estranhas. Até para esta época de carnaval.

O balão que era para ser de gás e depois de ar quente, que o gás estava pela hora da morte, quando recebeu uma forte lufada de vento lateral revelou um bico alaranjado e sua forma, que eu tinha estranhado antes. Era um pato. Um pato inflado. E o bafo do Amigo da Onça, do Péricles, o impulsionava para o alto. Também os peidos da geração “todynho e mbelistas” de cus desnudos alimentava as hélices para a impulsionar para frente este zepelin cheio de canhões disparando merda sobre o bloco das genis acorrentadas.

De súbito, já estávamos sobre a multidão. Que se perdia de vista.

A estrutura da multidão, e alguns detalhes inusitados, começaram a se revelar. Com nossas lunetas de pirata alcançávamos ver onde quisessemos.

Roberto Carlos ia sem roupas, num despudor…

A Piovani andava nua pois pensava-se invisível, afinal se até o rei estava nu…

E do nosso balão amarelo de ar quente em forma de pato íamos descortinado cada vez mais o espetáculo neste palco imenso da esplanada de Brasília.

Um bloco negro parecia os blacs. Olhando melhor via-se uma multidao de batmans. Eram os togados. A atração e razão principal deste dia do orgulho neri.

O bloco de quinta categoria ia de ré caranguejando e mostrando a bunda.

A ala dos frota carregava quadros em branco ou negros de erros de português. Eram educados sem partido.

O bloco negro destoava no meio das cores da bandeira. Seriam o negro do dístico conteano?

Os amarelos, carregando alegorias de patos, queriam entregar o ouro. Modestos, ficariam com uns poucos lingotes. Os verdes, as matas. De forma sustentável, é claro. Os brancos, queriam os negros para si. O bloco vermelho destoava com seu escandaloso sangue derramado pelos do bloco ustra, numa puríssima alegoria encarnada.

Era carnaval em brasília.

Havia uma multidão enorme mas nada a temer… Era pacífica com o seu bloco branco de beatos e afins.

Resolveram que não teriam o bloco das estrelas para não ofuscarem com seu brilho os outros blacs.

A bandeira não capengaria muito por isso, arrazurraram os “daquela escola”.

No meio do bloco negro, com uns reflexos iridescentes verde besouro rola bosta iam os do bloco “o petróleo não é nosso”…

Acordei todo molhado deste pesadelo. Abri a janela por causa do barulho na rua. Um trem azul estava à porta… Vi entāo o meu pesadelo recorrer. Acordei infinitas vezes dentro de cada pesadelo numa tortura de black mirror.

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Tinham-me num cookie, num ovo achatado… de pato.


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